Após a morte e as cerimônias fúnebres do papa João Paulo II, começa agora a menos divina das liturgias da Igreja Católica: a escolha do novo pontífice. Ela é humana, demasiado humana, pois implica a decisão de 117 cardeais, integrantes de um heterogêneo colégio eleitoral perpassado por interesses políticos dos mais diversos matizes: desde conservadores intransigentes, liderados pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger, passando por defensores da linha reformadora do Concílio Vaticano II, como o belga Godfried Danneels, até centristas como Angelo Scola, atual patriarca de Veneza. Longe de ser um problema exclusivo da cúpula da Igreja Católica, a escolha do próximo pontífice poderá influir diretamente no destino do maior rebanho cristão do mundo, cerca de um bilhão de fiéis. Afinal, por mais que João Paulo II seja pranteado como o papa da paz e da solidariedade, não há como negar que, para os católicos, ele representou um retrocesso em relação ao processo reformista de João XXIII e Paulo VI. Ao se apegar à ortodoxia pré-conciliar, Karol Wojtyla não apenas abandonou a opção preferencial pelos pobres da Teologia da Libertação como também ignorou demandas da sociedade moderna compartilhadas por muitos católicos, como a emancipação da mulher, a sexualidade sem fins unicamente reprodutivos e o uso da ciência como instrumento para minorar os sofrimentos humanos.

A possibilidade de que o próximo papa seja um prelado latino-americano, como dom Cláudio Hummes, cardeal-arcebispo de São Paulo, poderá reverter esse quadro. A região concentra metade da população católica do mundo, teve seu clero duramente atingido pelo enquadramento da Teologia da Libertação imposto pelo Vaticano, e, por aqui, como se sabe, a Igreja Católica trava uma guerra particular contra o pentecostalismo, que teima em atacar seu rebanho. Quanto mais ortodoxa for a escolha, maior o risco de as ovelhas continuarem virando as costas aos ensinamentos da Igreja ou, pior, abandoná-la de vez, como acontece hoje aqui e, em ritmo alucinante, na Europa ocidental.