JEFF/ PACHOUD/AFP/GETTY IMAGES

IMPACTO Agricultores de Longvic, na França, protestam por perder ganhos devido ao aumento dos preços dos combustíveis

Argentina – Caminhoneiros bloquearam estradas, inviabilizando a chegada de comida e outros produtos ao comércio e a alguns supermercados.

Índia – Mulheres saíram às ruas batendo panelas, queixando-se do aumento dos combustíveis, que está gerando inflação.

Hong Kong – Uma multidão esgrimiu cartazes de protesto contra o fim do subsídio ao óleo diesel e à gasolina.

Filipinas e Malásia – As marchas atravessaram a noite, reclamando da elevação do preço dos derivados de petróleo.

Espanha, França e Portugal – Agricultores, pescadores e caminhoneiros bloquearam depósitos, portos e estradas.

Bélgica – Carros foram virados e incendiados em Bruxelas em protesto contra o governo, que aumentou a gasolina.

Cenas de protesto, destruição e violência se tornaram corriqueiras em todo o mundo por conta da disparada do preço do barril do petróleo. Na última semana, esse movimento se tornou fatal ao chegar à Espanha. Na terça-feira 10, em Granada, um ativista foi atropelado e morto. No dia seguinte, em Sevilha, um confronto entre pescadores e a polícia terminou com 26 pessoas feridas.

Na origem desse tsunami de revoltas está o recorde histórico, ocorrido no dia 6 de junho, de US$ 138,54 no preço do barril. Apenas neste ano, o petróleo subiu 40%. Relatório recém-lançado pelo banco de investimentos Morgan Stanley indica que o valor pode alcançar US$ 150 até o dia 4 de julho – aniversário da independência dos Estados Unidos, o país que sozinho responde por 25% do consumo mundial de petróleo. Outros tradicionais bancos americanos de investimentos, o Salomon Brother e o Goldman Sachs, apostam em US$ 200, num prazo inferior a dois anos.

ASAY UERMA/REUTERS

BULLIT MARQUEZ/AP/IMAGE PLUS

Por mais que os governos tentem sustentar o preço do petróleo e controlar a inflação decorrente desses seguidos aumentos, o certo é que a vida de cada pessoa está prestes a ser sacudida. Nada perturba mais as sociedades modernas do que o petróleo caro. Os pescadores europeus, por exemplo, estão vendo o lucro das suas horas no mar ser corroído pelo aumento no diesel. O óleo usado nas embarcações subiu mais de 30% e o preço do pescado não acompanha a disparada.

THIERRY ROGE/REUTERS/LATINSTOCK 

BAZUKI MUHAMMAD/REUTERS/LATINSTOCK

REAÇÃO EM CADEIA
Na Malásia (acima), fila antes do aumento. Panelaço na Índia, protesto nas Filipinas e carros virados na Bélgica: o mundo sofre com a crise

Na Argentina, Espanha e outros países, os caminhoneiros esvaziam os bolsos para encher os tanques, enquanto não conseguem negociar o reajuste dos fretes. Os seguidos prejuízos levam aos protestos e a situação ficou tensa nas estradas. Nos Estados Unidos, os grandes carros bebedores de gasolina, como os jipes 4 X 4 e os SUV estão à venda pela metade do preço (leia quadro à pág. 88). Na Alemanha, a nova realidade quebrou a resistência de montadoras como a BMW e a Mercedes, que cederam à pressão do governo e produzirão carros mais econômicos e menos poluentes a partir de 2012.

O pior ainda está por vir. O petróleo e seus derivados geram uma inflação mundial porque ele é o elemento mais presente no cotidiano das pessoas. Ele pode ser encontrado do café da manhã (no gás do fogão, na estrutura do microondas) até a hora de dormir (quando se apaga uma luz, o interruptor costuma ser de plástico). Transporte, refrigeração, aquecimento, produtos químicos para limpeza e higiene pessoal, nada existiria se não fossem o petróleo e seus derivados.

Como interfere em praticamente todos os produtos, a inflação do petróleo é também a mais perigosa. Para conter a disparada dos índices, os bancos centrais de todo o mundo começam agora a aumentar as taxas de juros. Na prática, isso significa que as prestações da casa própria vão comer uma fatia maior do orçamento familiar. A conta do supermercado ficará mais salgada. Em breve, passagens de ônibus, trens e aviões serão reajustadas, para acomodar o novo custo dos combustíveis.

Graças aos biocombustíveis e à quase auto-suficiência energética, o Brasil ainda se apresenta como uma ilha protegida do tsunami inflacionário, mas essa será uma ilusão passageira. A ata da última reunião do Conselho de Política Monetária informou que os combustíveis aqui não devem sofrer reajustes até o final do ano, mas depois disso é certo que o aumento do preço do petróleo chegará aos postos. E o presidente Lula reuniu o ministério na segunda-feira 9 para mostrar como o governo se preocupa com a inflação. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que “a alta da inflação é um fenômeno mundial, provocado pelo maior choque de preços de commodities desde os anos 70 do século passado”.

Para a maioria das famílias, a alta dos preços só pode ser compensada por um estilo de vida mais sustentável. O primeiro passo nesse sentido é o uso racional dos recursos energéticos – a condução econômica de um carro, evitando acelerações e freadas bruscas, pode economizar até 30% de combustível. Em Portugal, começa a dar certo um programa de carona solidária, impedindo que os automóveis circulem com só uma pessoa. As montadoras devem acelerar a fabricação de carros mais econômicos ou híbridos.

RICK BOWMER/AP/IMAGE PLUS

ESCALADA Preço do galão (3,8 litros) de gasolina não pára de subir e ultrapassa a barreira dos US$ 4 em posto de Pasadena, na Califórnia

Como nos choques anteriores do petróleo, o novo patamar viabiliza a adoção de tecnologias até então alternativas. Nas modernas construções, arquitetos e engenheiros têm o desafio de aproveitar ao máximo a energia e a luminosidade do sol. Em São Paulo, por exemplo, uma lei obriga os prédios de apartamentos a ter painéis de energia solar, como forma de reduzir o consumo e a poluição das caldeiras a óleo. Além de mudar hábitos, o petróleo caro deve forçar os governantes a adotar medidas que mudem a configuração das cidades. Na Europa, os bondes elétricos voltaram em quase todas as grandes cidades. Mais e mais prefeitos constroem ciclovias e incentivam o uso da bicicleta para pequenos trajetos urbanos. Em Paris, pode-se pegar uma bicicleta na vizinhança de uma estação de metrô e deixá-la em outra sem se pagar nada por isso – desde que o tempo não seja superior a meia hora de uso.

Algumas redes de supermercados na Europa começam a cobrar pela sacola plástica (derivada do petróleo, claro) para forçar o consumidor a usar sacolas de pano. Até mesmo nos Estados Unidos, que consumiram no ano passado 88 bilhões de sacos plásticos, começa a se difundir o hábito de carregar a própria sacola reutilizável. No mundo do barril a US$ 200, mais do que consciência, a adoção de hábitos sustentáveis virou uma questão de sobrevivência.

Os motivos do atual choque do petróleo são bem diferentes dos da década de 1970. No passado, eles foram determinados por gargalos na oferta do produto, eventualmente artificiais, e os preços resultaram da formação do cartel dos países produtores. Hoje, o que se vê é um choque de demanda. Países como a China e a Índia, ao subsidiar o consumo interno, pressionam o mercado mundial. Há, ainda, um movimento de especulação. O petróleo ficou mais caro, mas nem por isso as fábricas e países estão consumindo menos. Com medo de que haja um estrangulamento, o mercado reforça os estoques.

Como na velha dialética do ideograma chinês, a crise é também oportunidade. O professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lembra que o preço em alta nos anos 1970 ofereceu a vários países a chance de partir para a exploração em altomar, chamada de offshore. Na época, o Brasil buscou fontes alternativas de energia, começando o programa do álcool. Assim, os gargalos atuais podem viabilizar a exploração do petróleo mais pesado da Venezuela e do Canadá. Também devem ganhar prioridade a energia eólica, os biocombustíveis e o gás natural.

Nos anos 1970, o Brasil produzia apenas 15% do que consumia. Hoje, graças a uma produção de 1,7 milhão de barris/ dia, tornou-se auto-suficiente e a Petrobras não pára de anunciar a descoberta de jazidas, como ocorreu na semana passada em relação ao campo de Guará, na Bacia de Santos. Além disso, a alta do preço do petróleo, como ressalta o economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), “poderá viabilizar a exploração das reservas petrolíferas na camada pré-sal, da Bacia de Santos, que se encontram a oito mil metros de profundidade”. Também o etanol, diz Pires, pode abocanhar uma fatia maior no mercado. Alexandre Szklo, professor de planejamento estratégico da Coppe, concorda e lembra que a Agência Internacional de Energia tem apontado o Brasil como importante fator de adição de reservas. Soma-se a isso o domínio tecnológico que o Brasil detém na exploração offshore de alta profundidade, que deverá ser aproveitado não só na exploração da camada pré-sal da costa brasileira como também no Golfo do México e na África Ocidental. Na prática, o Brasil poderá sair lucrando com a atual crise do petróleo. Perde com a alta da inflação, mas ganha ao exportar tecnologia e commodities.

MUDANÇA NA FROTA

Por quase uma década, os americanos compraram mais utilitários e camionetas do que carros de passeio. O símbolo dessa tendência – e de todos os excessos – é o Hummer. Fabricado originalmente como veículo militar, ele virou moda urbana depois de uma bem-sucedida campanha junto às tropas americanas, na guerra do Golfo (1990- 1991). Entre os primeiros usuários civis do Hummer estava o protagonista de Exterminador do futuro, Arnold Schwarzenegger, atual governador da Califórnia. Grande bebedor de combustível, o Hummer acaba de cair em desuso. Com a escalada no preço dos combustíveis, ele se destacava entre os carrões que abarrotavam na semana passada o pátio da fábrica da General Motors em Moraine, Ohio. A fábrica, especializada em caminhões e off-roads, está entre as quatro unidades que a montadora pretende fechar nos próximos dois anos.

Ao anunciar uma série de mudanças decorrentes do aumento do preço do combustível, o presidente da GM, Rick Wagoner, disse que a tendência da empresa agora é investir em automóveis pequenos. “Os preços estão mudando o comportamento do consumidor”, lembrou Wagoner. Em sintonia com os números contabilizados nos últimos meses, o balanço das vendas da GM em maio deve ter influenciado a mudança de curso. Houve uma queda de 27,5% no total, sendo que entre os utilitários as vendas caíram 37%.

Outras montadoras registraram movimento similar. Na Chrysler, a diminuição nas vendas foi de 25%, mas carros que consomem menos, como o Jeep Patriot, tiveram sua vendas aumentadas em até 82%. Na Toyota, a queda foi menor, em torno de 7,9%, devido ao aumento das vendas de carros como o Toyota Corolla, de menor consumo, e do Prius Hibrid, que funciona com gás e eletricidade.

Em todo o mundo, não existe dúvida: chegou a hora dos carros de baixo consumo e dos que rodam com a chamada energia limpa. Na segunda-feira 9, o presidente Nicolas Sarkozy e a chanceler Angela Merkel fecharam um acordo para reduzir a emissão de gás carbônico dos automóveis produzidos em seus países. “É um importante avanço”, comentou a chanceler da Alemanha. O país é conhecido por fabricar carros de grande porte, que poluem e consomem mais combustíveis do que os pequenos modelos franceses.

DAVID MCNEW/GETTY IMAGES

SALDO Utilitários perderam valor no mercado

Quanto ao Hummer, a GM pretende colocar a marca à venda. Schwarzenegger, por sua vez, já se livrou do problema. Há dois anos, pressionado por ecologistas, vendeu o seu. Pelo menos pegou bom preço. Com liquidações de utilitários por todos os Estados Unidos, vender um utilitário nesse momento é, na certa, amargar prejuízo.