Corria o ano de 1971. Enquanto em Nova York John Lennon lançava seu álbum Imagine, colocando a pá de cal no sonho, no Brasil este havia se transformado em pesadelo. A ditadura Médici, cutucada pelas façanhas da esquerda que assaltava e sequestrava em nome do povo, partiu para uma política de extermínio físico pura e simples. Como para Butch Cassidy e seu amigo Sundance Kid, retratados no filme de George Roy Hill dois anos antes, os tempos haviam mudado. Todos assaltavam bancos. Os americanos não perceberam a unificação da polícia americana no século XIX – que daria no FBI. Os brasileiros não viram a barbarização. Para ambos, a luta terminara dando lugar à temporada de caça.

Este é o caso de Thiago (Leonardo Medeiros), nome de guerra do militante que, após ser ferido em um confronto armado, fica escondido no apartamento do arquiteto Pedro (Michel Bercovitch), um simpatizante da causa. Seu único contato com o mundo passa a ser o anfitrião, que considera alienado, o dirigente Mateus (Jonas Bloch), que sente a mudança, mas não é ouvido, e a militante de base Rosa (Débora Duboc), que faz as vezes de empregada, enfermeira e companheira de luta.

Cabra-cega (Brasil, 2004) – que estréia nacionalmente na sexta-feira 15 e é o terceiro longa-metragem de Toni Venturi – surgiu de uma idéia de Roberto Moreira desenvolvida por Fernando Bonassi e Victor Navas e roteirizada por Di Moretti. Premiado em todos os festivais de que participou, tem na trilha de Fernanda Porto sua melhor tradução. Versões eletrônicas para clássicos como Roda viva, cantada com o autor Chico Buarque, e Teletema, em que a voz de Evinha é substituída pela igualmente nobre de Ná Ozzetti. O moderno revê o histórico. Um dos melhores filmes já produzidos sobre os anos de chumbo.