Mercado de Peixes de Tóquio, seis da manhã. Ziguezagueando em meio à multidão, quem sabe em busca do sashimi do dia, um senhor de bandana branca na cabeça abre caminho com sua antiga bicicleta. Uma boa foto, pensa o mineiro João Primo, editor de fotografia de ISTOÉ, câmera em punho e coincidentemente na trajetória do apressado ciclista. Clic, clic, clic. O homem passa, encara a objetiva e diz em inglês uma palavra mágica para especialistas: “Leica M4P”. Ele se referia ao modelo da máquina fotográfica usada por Primo. Em seguida, desapareceu. O momento ficou registrado e está entre as 25 fotografias da bela coleção que o fotógrafo exibe na mostra Cotidiano, em cartaz no Centro Cultural Martha Watts, em Piracicaba (SP). A exposição, que vai até 14 de maio, é um apanhado da sua trajetória, com trabalhos selecionados entre 1986 e 2000. A imagem mais antiga mostra a insólita figura de uma pessoa tomando sol num dos peitoris do Edifício Copan, em São Paulo. Não menos incomum é a foto mais recente, de duas mulheres muçulmanas, cobertas de preto até a cabeça, clicadas sob o céu negro de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Em sua maioria, são registros captados naqueles instantes de relaxamento de uma reportagem e, portanto, menos sujeitos à pressa jornalística. “É um olhar pessoal sobre o dia-a-dia”, diz Primo, que nestes momentos procura se libertar da densidade de informação que o fotojornalismo exige. Para chegar ao número enxuto de 25 trabalhos, ele passou dois meses examinando os 15 mil negativos de seu arquivo. Só queria os em preto-e-branco. Na primeira seleção, chegou a oito mil imagens. Na segunda, a 100. “Muitas fotos eu lembrava de memória. Algumas eu sabia que havia feito, mas não tinha ainda visto ampliadas. Outras, eu gostaria de ter publicado, mas, pela própria natureza, só caberiam numa exposição.” É o caso, por exemplo, da corrida desfocada de um garoto no rio Negro ou do mar de nuvens cortado pela hélice do bimotor, na Amazônia. Essas fotos surgem diretamente do tema, não se encaixam em truquezinhos técnicos ou efeitos de superfície. Coloque lado a lado o registro dramático do sem-teto de San Francisco, debruçado sobre o lixo e contemplado pelos olhos aterrorizadores de um cartaz de rua, e a leveza dos mariners em Nova York, engalanados para alguma cerimônia, chapéus brancos boiando como pratos atirados a esmo. Ou, então, os dois homens de costas, olhando no céu limpo o triângulo de ultraleves. São fotos de quem esconde a assinatura para surpreender sempre. Pergunte a João Primo sobre suas influências. Ele responderá, sem arrogância, que muitas vezes é um companheiro que acabou de conhecer e de quem nem tem conhecimento da obra, ou então um lambe-lambe de praça do interior, sábio ao retratar anônimos. E a primeira objetiva na qual depositou os olhos? A janela de um trem, através da qual aprendeu que a viagem não é apenas um deslocamento, mas a profundidade do horizonte.