Uma verdadeira preciosidade estará aberta ao público – em especial
para quem gosta do riso como
castigo. Trata-se de Henfil do Brasil (Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, a partir do dia 19), a primeira retrospectiva da obra do cartunista Henfil (1944-1988), com 501 originais entre revistas, gibis, tiras, peças gráficas, cartazes e até um convite de casamento e um aviso de nascimento. O acervo pertence ao único filho do cartunista, Ivan Cosenza de Souza, e a curadoria é de Julia Peregrino e Paulo Sergio Duarte. A mostra, que vai para Brasília em julho e para São Paulo em outubro, revela o (hoje) rudimentar método de trabalho de Henfil, que primeiro fazia a história em preto-e-branco, depois tirava xerox e as coloria com lápis de cor em fases que poderiam incluir papel-manteiga colado nas pontinhas do original.

Outra rara oportunidade é acompanhar a transformação de personagens como a Graúna, a desbocada ave da Caatinga que nasceu um insosso passarinho e virou um desenho de traços mínimos do qual o autor extraía as mais incríveis expressões. Os Fradins, Baixim e Cumprido, adquiriram um hábito que ficou mais famoso do que eles próprios: bater com uma mão aberta na outra fechada e produzir o safado som top, top, top! Com esse genuíno humor, suas figuras exigiram o fim da ditadura, pediram anistia para os presos políticos e marcharam com o movimento Diretas-já. As antológicas “Carta para a Mãe” que publicou em ISTOÉ entre 1977 e 1984 também estão presentes. Na primeira, ele escreve: “Mamãe, lembra daquela noite que eu estava brincando de dar injeção na Filomena e a senhora me deu bolos na mão que estava em pecado mortal? Me explicou que, se não castigasse, minha mão secaria e cairia. Pois graças à educação exemplar que a senhora me deu, hoje sou conhecido e tenho fama, sucesso e fortuna! Obrigado, mãe!”

Se nem a mãe escapou da ironia, o que dizer dos outros 27 personagens? O cangaceiro Zeferino, o bode intelectual Orelana, o paranóico Ubaldo, os fanáticos torcedores Urubu e Cri-Cri, todos diferentes, mas carregados de inquietude e disposição para incomodar – principalmente os que não gostavam de ser incomodados. “O trabalho dele é caligráfico, muito pessoal”, atesta o artista plástico e cartunista Caulos, colega na redação do Pasquim. Henrique de Souza Filho nasceu em Ribeirão Preto, Minas Gerais. Hemofílico, contraiu Aids numa transfusão de sangue, assim como seus dois irmãos, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e o músico Francisco Mário. Ivan, 35 anos, que conviveu com o pai até os 18, diz que os trabalhos são atuais “não porque os problemas do Brasil são os mesmos, mas pelo jeito de Henfil ir a fundo nas questões.” Para a curadora Julia, foi um desafio selecionar as peças: “Nosso critério foi a expressividade dos personagens e a piada.” E Jaguar, cartunista, oferece o melhor motivo para que ninguém perca a exposição: “Idiotas, já conheci milhares. Talentos, muitos. Grandes talentos, poucos. Gênios, só dois, Garrincha e Henfil.”