O cabelo espetadinho e o riso fácil fazem com que Ha Joon Chang, ao se apresentar a grandes platéias, pareça um pop star asiático. Engano. O sul-coreano, que vive dando palestras pelo mundo, é internacionalmente reconhecido como mestre da economia política. Diretor adjunto do Departamento de Estudos sobre Desenvolvimento da Universidade de Cambridge, o professor aponta alternativas para as práticas neoliberais, publicadas em vários livros seus, entre eles
Chutando a escada
(Unesp) e Reclaiming development: an alternative economic policy manual (Zed Books). Nesta entrevista a ISTOÉ, Chang, que acompanha o governo Lula desde o início, não poupou críticas à política de alta de juros do
Banco Central brasileiro, afirmando que ela paralisa o País. Afirma ainda que o
Brasil não poderá se desenvolver enquanto não gastar mais de seu PIB em ações desenvolvimentistas.

ISTOÉ – O sr. esteve no Brasil há dois anos, quando o presidente Lula foi eleito. Como analisa seu governo?
Ha Joon Chang –
Nos últimos dois anos e meio, o governo Lula avançou muito na área das relações exteriores, principalmente perante a Organização Mundial de Comércio (OMC). O Brasil passou a ser visto como um dos grandes líderes dos países em desenvolvimento. No campo social, houve avanços, mas poderiam ter sido muito maiores, não fossem os problemas fiscais. É aí que vêm as minhas críticas. Tudo bem que muitos desses problemas foram herdados de gestões anteriores, mas será que o governo Lula está fazendo certo ao gastar 10% do PIB para pagar a dívida externa? Claro que não dá para negligenciar o pagamento dessa dívida, mas pode-se renegociar com os credores, como fazem muitos países, estendendo o prazo de pagamento ou diminuindo a cota a ser paga. A Argentina fez isso. Os brasileiros estão ainda muito traumatizados com as décadas de inflação alta, mas esquecem de ver outros países que já tiveram taxas altas e hoje conseguem controlar de maneira eficiente.

ISTOÉ – E a política de manter os juros altos para conter a inflação?
Chang –
É outro erro. Francamente, em nenhum país a indústria de manufaturados ou qualquer outra obtém lucros acima de 7%. Se elas pagam 13% de juros reais, como podem sobreviver? A consequência disso é que, com uma política econômica muito conservadora, fica impossível expandir os negócios ou abrir novas oportunidades. Não se esqueça de que os brasileiros são muito pessimistas em relação às suas próprias qualidades. Entre 1965 e 1980, o Brasil era a economia que mais crescia no mundo. Não estou dizendo que o que aconteceu nos anos
60, 70 e 80 era o ideal, mas vocês atingiram um bom crescimento. Naquele tempo,
o País investia de 25% a 29% do PIB. Mas hoje o governo se dá por satisfeito se chegar a 21%. Países como China, Malásia e outros investem de 35% a 40%
de seu PIB. Se o governo brasileiro quer realmente investir no País, tem que repensar sua macroeconomia e abandonar esse objetivo de ter inflação de um
dígito. Nos anos 60, países como a Coréia do Sul e o Japão cresceram com inflação de 20%. Não há nenhuma evidência de que com 10% de inflação, por exemplo, garante-se o crescimento.

ISTOÉ – Em seus livros, o sr. fala em alternativas ao neoliberalismo. Quais são?
Chang –
Existem alguns princípios. Um deles é simples: não há como obter algo bom por pouco. Portanto, se quer se desenvolver, o mínimo necessário é investimento e organização. E muito dessa política neoliberal se refere à abertura
da economia para o mundo, deixando que os estrangeiros façam o trabalho. Isso não existe. Claro que há exceções, como a Irlanda, país com altos níveis de educação, população pequena e com fortes relações com os Estados Unidos. Mas fora casos semelhantes a esse, é muito difícil sobreviver a esse tipo de sistema.
Os países têm que aceitar que são eles os responsáveis por suas próprias economias e investimentos.

ISTOÉ – A China, por exemplo, está tendo um crescimento muito rápido, mas assiste a um grande distanciamento entre os mais ricos e os pobres.
Chang –
Exato. E eles vão ter problemas por conta disso. A China está chegando a um abismo social comparável ao de países da América Latina. Hoje existe um grande índice de desequilíbrio social que não se via antes. Essa desigualdade cria uma tensão social. E com esse desenvolvimento desequilibrado vêm também os aspectos negativos, como o aumento da criminalidade. Os chineses estão se dando conta de que terão de solucionar esse tipo de problema. Se eles vão conseguir, não sabemos. Observem Cingapura e Coréia do Sul, que estão adotando hoje políticas neoliberais, mas não deixaram de contemplar seus cidadãos com os benefícios de um Estado organizado.

ISTOÉ – Como o sr. vê o alinhamento de países como Brasil, China, Índia e África do Sul?
Chang –
É um grande progresso. São quatro países poderosos que hoje trabalham juntos por objetivos em comum. Não sou ingênuo de pensar que isso resolverá todos os problemas. Nas negociações com a OMC, por exemplo, é possível estabelecer padrões do que querem essas nações. Os medicamentos para a Aids são um bom exemplo de como isso já funciona. O enfrentamento que houve na reunião da OMC em Cancún, por exemplo, mostrou a força desses países em desenvolvimento perante os ricos. Quem quiser comprar drogas contra a Aids dos americanos ou suíços vai pagar US$ 10 mil por ano. Mas, se comprar de países como o Brasil e a Tailândia, vai pagar muito menos.

ISTOÉ – E o fato de o Brasil reconhecer a China como economia de mercado?
Chang –
A curto prazo, o Brasil vai se beneficiar com essa medida, porque a China cresce em velocidade máxima. O que significa uma grande demanda por matéria-prima nacional. O Brasil também tem seus aviões de curta distância, da Embraer, que podem interessar à China. Por outro lado, a longo prazo, o resultado dessa relação dependerá de como o Brasil irá se reestruturar diante de uma economia poderosa como a chinesa. A China reverte seus ganhos para si própria e o Brasil terá de fazer o mesmo.

ISTOÉ – Como o sr. vê o Mercosul e suas dificuldades de ser um bloco?
Chang –
A dificuldade de os países negociarem em bloco é que eles não podem pensar como um único país. Eu estava na Argentina no ano passado e os argentinos reclamavam que vinham perdendo toda a sua indústria para os brasileiros. Sempre vai haver tensões. Mas o mais importante é que a aliança já foi feita e cabe a esses países encontrar a melhor solução para avançar como um bloco.