O garçom do “Santos Dumont”, o novo avião presidencial – o popular Aerolula – oferece aos passageiros um suculento e aromático prato com lulas fritas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso olha para a iguaria e exclama: “Não, lula frita não posso aceitar, não fica bem.” A gargalhada, a começar pelo próprio presidente Lula, é geral. O episódio, ocorrido durante o almoço a bordo, enquanto o Airbus A-319 sobrevoava, na quinta-feira 7, o oceano Atlântico, rumo a Roma, ilustra o clima durante a viagem para acompanhar os funerais de João Paulo II, realizados na sexta-feira 8. A própria ida da comitiva à Itália se revestiu de características inéditas. Lula decidiu transformar o tributo ao papa, que esteve três vezes no Brasil, em um ato de ecumenismo, que reuniu lideranças políticas e religiosas de todos os matizes. Na primeira visita do pontífice, em 1980, João Paulo II recebeu em audiência, no estádio do Morumbi, o então líder sindical Lula, contra a vontade do governo militar de então.

Para começar, convidou os ex-presidentes José Sarney (um aliado político) e Fernando Henrique (seu maior adversário, que o derrotou em duas eleições) para o acompanharem. Depois, incluiu os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), Nélson Jobim, do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Severino Cavalcanti, na comitiva. Os cinco souberam que, além de serem convidados especiais, dividiriam com Lula, a primeira-dama Marisa e o chanceler Celso Amorim as oito poltronas da área presidencial do avião, privilégio reservado a poucos. O time político foi completado com o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, uma escolha que provocou muita ciumeira em outros petistas, que, como ele, são pré-candidatos ao governo de São Paulo. No campo religioso, o presidente levou à risca as atitudes ecumênicas de João Paulo II, convidando o pastor protestante luterano Rolf Schünemann, o xeque Armando Salek, de uma mesquita em São Paulo, o rabino Henry Sobel e a mãe-de-santo Areonithes Conceição Chagas, a Mãe Nitinha. Completavam a lista o arcebispo de Brasília,
dom João Braz de Aviz, o bispo Odilo Scherer, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e o padre José Ernane, assessor da CNBB. “Essa pluralidade de representantes de diversas religiões e correntes políticas escolhida pelo presidente Lula é uma homenagem de todo o Brasil ao papa”, afirmou o chanceler Celso Amorim.

O vôo, iniciado em Brasília às 7h30 da quinta-feira, com meia hora de atraso e uma ausência, a de Mãe Nitinha, que perdeu a conexão para Brasília no Rio, vinda de Salvador, fez jus ao ecletismo. Antes do almoço – em que as lulas fritas provocaram a brincadeira de FHC –, os religiosos fizeram um ato ecumênico enquanto o Aerolula sobrevoava Fernando de Noronha. Teve uma oração comandada por dom João Braz; o Salmo 120, de proteção aos viajantes, lido pelo pastor Rolf e por dom Odilo; uma prece em árabe e português feita pelo xeque Salek e uma oração pelo rabino Sobel, seguida por um pai-nosso. Durante o vôo, no qual a porta que separa a área presidencial do restante do avião ficou sempre aberta, foram servidos almoço e jantar. O cardápio também foi eclético: bode ensopado e galinha ao molho pardo, considerados excelentes por Severino, filé à parmegiana, camarões, massas variadas, saladas e, claro, as lulas fritas. De sobremesa, sorvete de tapioca, comprado no Recife, única escala do vôo, e frutas diversas. Mas o grande prato foi mesmo a política. “O ambiente que se formou nesse vôo cria um clima totalmente novo para a política brasileira”, contou a ISTOÉ uma das autoridades convidadas. O alvo principal do charme de Lula foi Severino, com quem o presidente teve vários momentos de animadas conversas. “O papo foi muito amigável, foi um vôo excelente, com uma cerimônia muito bonita”, admitiu, entusiasmado, Severino, ao chegar no hotel em Roma. Ao que tudo indica, João Paulo II propiciou a Lula a realização de um milagre de pacificação dos espíritos.