Bombardeado desde julho de 2004, quando ISTOÉ revelou problemas fiscais, eleitorais e financeiros em suas empresas e declarações de bens e rendimentos, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, estremeceu mais uma vez. Na terça-feira 5, o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que abra uma investigação para vasculhar a vida monetária do presidente do BC. Fonteles pediu oito providências ao Supremo, entre elas a quebra do sigilo fiscal de Meirelles desde 1996, abarcando o período em que ele fez fortuna nos Estados Unidos, e o levantamento de todas as operações com dólares feitas pelo presidente do BC e suas empresas. O objetivo é apurar suspeitas de crime eleitoral, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos. A gestão de Meirelles no Banco Central parece estar com os dias contados. Se não deixar o cargo pressionado pelas denúncias levantadas por ISTOÉ e reforçadas pelo procurador-geral, deverá sair para se candidatar ao governo de Goiás. Por intermédio de sua assessoria, Meirelles nega a estratégia política, mas é isso o que diz o empresário goiano José Francisco das Neves, o Juquinha, considerado uma espécie de porta-voz do banqueiro para assuntos políticos locais.

No Ministério Público, o objetivo é esmiuçar as finanças de Meirelles. Desconfia-se que o crescimento patrimonial é incompatível com os rendimentos recebidos nos cinco anos que passou nos EUA. Considerando seus rendimentos, calcula o MP, Meirelles deveria reunir um patrimônio em torno de R$ 35 milhões, mas cravou R$ 109 milhões em 2000, caindo para R$ 95 milhões em 2003. A procuradoria quer checar a origem de tal prosperidade. “Temos, portanto, um acréscimo patrimonial a descoberto, em total descompasso com a renda e aplicações financeiras do representado, que necessita ser investigado”, diz o relatório do procurador Lauro Pinto Cardoso Neto, uma das peças que respaldaram o pedido de Fonteles ao Supremo. Meirelles, por intermédio de sua assessoria, reafirma que todos os seus ganhos são conhecidos e foram declarados às autoridades competentes. À respeitável lista de problemas que o presidente do BC coleciona, mais um item pode ser agregado. A Receita Federal descobriu que Meirelles figura como responsável oficial no Brasil pela Felalease (Federação Latino-Americana de Leasing), uma entidade privada que reúne associações de empresas de arrendamento mercantil do Brasil, do México, da Argentina, da Colômbia, do Chile e do Peru, criada em 1985. A questão é que o Banco Central, chefiado por Meirelles, é o responsável pela fiscalização do setor. A assessoria do BC diz que, embora ainda exista nos cadastros, a Felalease está inativa há mais de uma década, quando Meirelles deixou a presidência da entidade e se afastou do ramo de leasing.

Autuação milionária – A suspeita de lavagem de dinheiro deriva da estrutura acionária das empresas do presidente do Banco Central, amparada em paraísos fiscais e em uma sequência de procuradores. Fonteles deseja esquadrinhar ainda uma série de operações cambiais bilionárias, feitas pelo Banco de Boston e empresas a ele ligadas, na época em que o atual chefe do BC era seu comandante mundial. O procurador-geral quer da Receita Federal a cópia do processo que resultou numa multa de R$ 110,479 milhões aplicada à Boston Comercial e Participações Ltda, do grupo Boston, por conta dos R$ 477 milhões em remessas ao Exterior feitas às vésperas da desvalorização do real, em fevereiro de 1999, sem o devido pagamento de impostos. A Boston enquadrou a remessa como pagamento de perdas em uma operação cambial, mas a Receita e o Conselho de Contribuintes, que recebe os recursos contra as autuações fiscais, entenderam que a operação se destinava a remeter a bolada para fora, limpa de tributos. O julgamento no Conselho, realizado no dia 10 de março, ganhou as páginas dos jornais. Para o MP, a questão central está no desenho da operação, que envolveu um contrato com a matriz do banco, nos Estados Unidos, na época comandada por Meirelles. Além disso, Fonteles já afirmou suspeitar que o presidente do BC, na prática, controlaria a Boston Comercial. Na avaliação dos procuradores, Meirelles, como executivo e com direito a ações do grupo, seria beneficiário direto de eventuais operações irregulares.

Outras remessas bilionárias foram examinadas pelo BC, também um pouco antes da desvalorização do real, quando o Boston, junto com outros bancos brasileiros, foi acusado pelo próprio PT de fazer operações especulativas. No Banco Central, verificou-se que elas foram conduzidas pela mesma Boston Comercial, somaram R$ 1,372 bilhão e começaram em setembro de 1998. O processo, aberto em 1999, ficou parado por dois anos e só voltou a andar em agosto de 2004, quando, na CPI, o relator, deputado José Mentor (PT-SP), viu o problema e correu para avisar o BC. O caso acabou arquivado, há pouco mais de dois meses, sem apontar irregularidades. Mas, já se sabe que a Boston trouxe de volta pelo menos R$ 800 milhões. No Ministério Público, também já foi apurado que as remessas foram mais gordas, chegando a R$ 1,6 bilhão. Fonteles quer olhar os dois dossiês, cruzar com os cadastros já disponíveis na procuradoria e verificar se há fraude ou o dedo de Meirelles neles. A assessoria do presidente do BC informa que ele não participou dos dois casos, não controla a Boston nem conhece os processos.

Não é só – O procurador-geral pretende avaliar as remessas de US$ 2,6 milhões (R$ 6,8 milhões) que Meirelles fez para o Brasil entre 2000 e 2002, por intermédio de uma de suas empresas, a Silvânia Empreendimentos e Participações, com sede em São Paulo. A Silvânia administrava os bens do presidente do BC no Brasil enquanto ele estava no Exterior e recebeu o dinheiro a título de pagamento por prestação de serviços, em um arranjo pouco usual. O Ministério Público pediu ao Fisco as declarações de Imposto de Renda da Silvânia para checar se as remessas foram devidamente declaradas, já que constituíram faturamento da empresa. A assessoria de Meirelles diz que as operações foram informadas ao Fisco e que o presidente do BC optou pelo contrato dele com ele mesmo porque – como não residente – não tinha CPF nem podia movimentar conta corrente no país. O procurador-geral vai checar até os advogados de Meirelles, do escritório Demarest e Almeida. Alguns deles figuram como procuradores de offshores suspeitas de realizar remessas milionárias por intermédio de doleiros envolvidos no caso Banestado. Também quer saber em que pé está a investigação da Receita Federal a respeito dos rendimentos de Meirelles, requisitada pelo Ministério Público em julho do ano passado e até o momento sem resultados informados. Para fazer todos os cruzamentos e checagens, Fonteles reforçou o time de peritos criminais da Polícia Federal que atuam no caso. É que o Ministério Público não vem conseguindo a colaboração esperada do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, que investiga crimes de lavagem.

O destino de Meirelles está nas mãos do ministro do Supremo, Marco Aurélio Mello. Ele é o relator do pedido apresentado por Fonteles. A praxe é que a investigação seja aberta, mas o presidente do BC deve ganhar algumas semanas de fôlego. O ministro vai submeter o pedido do procurador-geral aos outros ministros do STF. O imbróglio está na constitucionalidade da medida provisória que deu ao presidente do BC o chamado foro privilegiado, ou seja, o direito de responder a processos apenas no Supremo. A MP está sendo questionada no próprio STF, que deve decidir sobre o caso nos próximos dias. Pode ser que a corte prefira primeiro definir se Meirelles tem status de ministro para depois tocar as investigações.