Tudo sobre minha mãe
Filho único da cantora Maysa, o diretor Jayme Monjardim lança biografi a e minissérie em sua homenagem

Maíra Magro
 

i83556.jpg

Dois oceanos não-pacíficos nos olhos e uma boca da noite. Assim o poeta Manuel Bandeira definiu em versos a cantora Maysa, uma das maiores intérpretes que o País já teve no gênero dor-de-cotovelo. Quando esses dois oceanos se acalmaram, em 22 de janeiro de 1976, seu filho único, o diretor Jayme Monjardim Matarazzo, 52 anos, guardou em caixas e baús 30 quilos de documentos na casa que a cantora tinha em Maricá, no litoral fluminense. São fotos, letras de música, diários, poemas, recortes de revistas e anotações avulsas que Maysa reuniu desde a adolescência – ela parecia saber que seria famosa um dia e que morreria cedo. Aos 19 anos, era uma das artistas mais bem remuneradas do mercado e aos 40 estava morta, vítima de um acidente de carro. A casa de Maricá, seu último endereço e refúgio, foi preservada pelo filho. “Quando ela se foi, senti que deveríamos ter passado mais tempo juntos”, diz Monjardim, que está à frente de duas homenagens à mãe. Nessa semana chega às livrarias Maysa, uma biografia poética ilustrada (Globo, 200 págs., R$ 44), de sua autoria, e no início de janeiro estréia na Rede Globo a minissérie Maysa: quando fala o coração, dirigida por ele, com texto de Manoel Carlos.
Mais do que reunir documentos inéditos, no livro Monjardim faz uma espécie de colagem da alma da cantora, dona de uma voz bela e grave que combinava perfeitamente com as melodias que entoava. Canções sobre a solidão, o desencanto e os desfechos amorosos como os sucessos Meu mundo caiu e Ouça, aquela em que pede ao amante para “viver a sua vida com outro bem”. De seus diários foram extraídos o texto que acompanha a obra. “Um amor sem certeza é um viver sofrendo”, escreve ela em um poema. Uma foto sua, sorridente ao lado do filho, revela um raro momento de felicidade com Monjardim, que teve uma relação distante com a mãe durante quase toda a vida. Maysa casou-se em 1955, aos 17 anos, com o milionário André Matarazzo, de quem se desquitou dois anos depois quando o filho tinha apenas um ano. Ele foi morar com os avós maternos e a cantora, que havia se dedicado de corpo e alma à carreira artística, continuou a enfrentar preconceitos e dissabores de uma vida cheia de altos e baixos, marcada por paixões conturbadas, excesso de álcool e surtos depressivos.
Aos sete anos, com a morte do pai, o garoto foi mandado para um colégio interno na Espanha, onde ficou durante uma década: “Eu me sentia meio deixado para trás.” Em 1976, mãe e filho se reaproximaram: “Tivemos uma relação maravilhosa quando descobrimos o que o outro representava. Eu já tinha 18 anos e podia compreender melhor as coisas.” A felicidade durou pouco. Passado um ano, a mãe sofreu o acidente fatal quando trafegava na ponte Rio-Niterói. Já havia conquistado o País com seus olhos verdes e sua voz aveludada e viajado pelo mundo propagando o samba-canção e, mais tarde, a bossa nova. Ela fez e disse o que bem pensava, não se importando com as críticas da sociedade conservadora da época. Sua personalidade instável e sua vida inconstante lhe trouxeram momentos difíceis. Ela enfrentou períodos de grave depressão e não foram poucas as vezes em que tentou o suicídio – o que costumava negar, embora tivesse marcas visíveis de cortes nos pulsos.
Apesar da distância da mãe, Monjardim diz que foi graças a ela que descobriu a profissão. Seu primeiro trabalho na tevê, de 1983, foi uma homenagem a Maysa. Dessa vez, para embarcar na minissérie, ele precisou de muitos anos de preparação interior. Não quis escrever o roteiro. Convidou para a tarefa o autor Manoel Carlos, especialista em retratar almas femininas. “Foi sem dúvida um dos trabalhos mais prazerosos que já fiz até hoje”, diz o autor. O papel principal ficou com a atriz gaúcha Larissa Maciel, 30 anos, que surpreende pela incrível semelhança com Maysa. Na juventude, Monjardim será representado pelos próprios filhos, André e Jayme. “Com o trabalho terminado, eu poderei me entregar às emoções”, diz ele. Ao que tudo indica, o público também.