Faltou luxo em Nova York. Os estoques de artigos de alta categoria estavam a zero. E que ninguém diga que os mercadores
de riquezas foram pegos no contrapé: todo ano, no mês de setembro, é a mesma coisa. Na semana e meia que dura a abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas (cuja sede está ancorada em alguns dos metros quadrados mais caros da galáxia), multidões invasoras desembarcam num consumo conspícuo. O caso não seria tão desesperador se os visitantes que acorrem ao plenário da ONU fossem apenas os 192 chefes de Estado e governo convidados para o evento. O problema ganha proporções catastróficas quando se agregam às lideranças mundiais as comitivas oficiais – ou nem tanto. São, além de monarcas, presidentes, primeiros-ministros, ditadores e líderes inqualificáveis, um exército de gente do chamado “segundo escalão”, além de parentes, amantes, correligionários, empresários e bajuladores em geral.

Para a cerimônia de abertura da 61ª Assembléia, repetiu-se esse enredo já bastante conhecido. E os nativos, aqueles que vivem no território, além de enfrentar congestionamentos de dez horas, ficaram também sem champanhe, caviar, limusines, suítes presidenciais em hotéis, bilhetes de teatro, espaço em boates e restaurantes, e outras comodidades. Na quarta-feira 20, quando o presidente Lula falou no plenário, havia ainda muito caviar (russo ou iraniano) no restaurante Petrossian, ou champanhe geladinho no bar da boate Lotus, além de roupas de grife nas butiques da Madison Avenue. Mas outros itens, como o famoso drinque “Banana Cremasse”, legendário no bar mais badalado da cidade, o “PM Lounge”, já tinham acabado dois dias antes.

Ah, e as limusines! Os 50 mil automóveis dessa categoria em Nova York já tinham sido agendados meses antes para locação. A eles se juntaram outros 25 mil veículos do mesmo tipo, vindos dos Estados vizinhos de Nova Jersey, Connecticut, Pensilvânia e até de Massachusetts. “Essa é a temporada mais movimentada do ano: supera até a época de formaturas de escolas e de casamentos, quando a procura por limos também aumenta”, diz Bruce Kosmer, diretor da organização que reúne empresas do setor. “O pessoal da África e da América Latina tem preferência pelas limusines esticadas e brancas. Um deles me disse que as limos pretas lembram os carros fúnebres de seu país. Já os europeus e asiáticos querem cores sóbrias, como prata e negro.” Esses verdadeiros transatlânticos sobre rodas vêm acompanhados de SUVs, jipões que carregam seguranças peso pesados. Assim, Manhattan fica em horário de rush permanente.

Ninguém em sã consciência imagina marcar data de casamento na cidade durante essa época. Não só ficariam sem as limusines, como não teriam apartamentos de hotéis para desfrutar a lua-de-mel. Existem, no máximo, 106 suítes presidenciais nos hotéis de luxo. E os presidentes ou gente que se diz no cargo em seus países somaram 170 indivíduos. É claro que a amante de um general poderoso do Terceiro Mundo ficará descontente caso tenha de ocupar uma habitação mais mundana. E generais contrariados podem liderar golpes de Estado. O primeiro-ministro da Tailândia, Thaksin Shinawatra, foi colocado para fora do posto quando tanques rolaram pelas ruas de Bangcoc, enquanto Sua Excelência se preparava para discursar na ONU. Ou seja: foi para Nova York, perdeu o lugar. Felizmente para o Waldorf Astoria, hotel onde se hospeda a comitiva tailandesa, não deverá haver problemas com a conta da hospedagem, já que Thaksin é milionário e tem dinheiro mais que suficiente para assumir a “dolorosa” e o exílio nos EUA.

Dessa vez sem se preocupar com golpes, o presidente Hugo Chávez causou frisson ao comparar o presidente americano George W. Bush ao diabo. “Ainda está cheirando a enxofre por aqui”, disse à platéia numa referência à passagem de Bush pelo pódio no dia anterior. Em defesa do inquilino da Casa Branca, aponte-se que seu discurso nem sequer mencionou Chávez. Preferiu pedir ao povo iraniano que derrubasse a teocracia daquele país, contribuindo assim para a estabilidade que ele vê atualmente no Oriente Médio. Aproveitou também para classificar o organismo anfitrião de “inefetivo”, no que seria secundado pelo presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Foi o único ponto onde os dois líderes concordaram. O que já é um começo. O venezuelano Chávez também tem a mesma opinião sobre a ONU e disse isso claramente. O que prova que é conversando que as pessoas se entendem.

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