Quando desembarcou no Brasil em 1923, o pintor lituano Lasar Segall (1891-1957) foi profundamente marcado por algo que ele definia como o “milagre da cor e da luz” da natureza brasileira. Formado no sufocante ambiente do expressionismo alemão, Segall mudou até a sua paleta de cores após o contato com a nova paisagem tropical. E foi assim que nas obras que sucederam às claustrofóbicas telas feitas na cidade alemã de Dresden ele passou a incorporar o verde das palmeiras e bananeiras e o rosa das fachadas de casas do interior. Esse giro do artista, do sombrio para a alegria, é a marca da exposição Aquarela de Segall – olhar sereno, olhar aflito, múltiplos olhares, que está em São Paulo no museu que leva o seu nome. Toda a mostra é dedicada ao seu pouco divulgado trabalho em papel.

Uma das obras que merecem atenção especial de quem visita a exposição chama-se Mãe negra entre casas (aquarela de 1930) – é nela que estão bastante pronunciados o “tropicalismo” e a “brasilidade” de Segall. A obra retrata uma mulher e seu filho diante de um casario desordenado, mas, se o amontoado ao fundo ainda remete ao expressionismo, as delicadas cores das roupas, variando entre o rosa e o azul-claro, estão longe dos tons terrosos de sua produção anterior. O seu trabalho é sereno, e essa serenidade também aparece em Orquestra (1933), enquadrando personagens negros. Segall sempre sentiu necessidade de trazer os negros para a sua arte, retratando pessoas socialmente marginalizadas (pintou também prostitutas) para aliviar o seu próprio isolamento devido à sua origem judia.

Como diz o próprio nome da mostra, Segall tinha olhares múltiplos e nunca abandonou o “olhar aflito” dos primeiros anos, flagrante em Asilo de velhos (1909), a peça mais antiga. Oito desenhos da série Visões da guerra, feitos entre 1940 e 1943, denunciam o extermínio de seu povo, ao mostrar um grupo de pessoas afunilando-se em direção ao espaço estreito de dois muros. Também merece destaque a interpretação do artista sobre as coisas simples da vida, e isso se realça na aquarela Mulher no estábulo (1930). Sobre a obra, escreveu o curador Celso Lafer: “A exuberância dos seios amamentadores da figura feminina tem a benévola companhia do olhar de uma vaca de úbere pleno”. A explicação veste feito luvas: nas aquarelas, Segall pintava animais e homens com o mesmo sentimento de harmonia.