Um Brad Pitt com barba por fazer, olheiras pronunciadas e o rosto sulcado por profundas rugas de dor. É assim que o bem pago galã de Hollywood aparece em seu novo filme, Babel, uma das produções mais aguardadas do ano, com estréia nos Estados Unidos prevista para o dia 27 e no Brasil para janeiro do ano que vem. Nas seqüências rodadas em regiões paupérrimas do Marrocos, Pitt aproveitou inclusive do anonimato para criar um personagem que foge bastante dos seus papéis habituais. Quem conseguiu desglamourizar o astro foi o aclamado cineasta mexicano Alejandro Gonzáles Iñarritu, vencedor do prêmio de melhor diretor na edição deste ano do Festival de Cannes, na França. “Não houve concessões, pelo contrário”, afirma Iñarritu. “Além de fazer seu trabalho, Pitt teve a paciência de ajudar os atores recrutados em comunidades pobres a se integrarem às filmagens.”

Com surpreendente bom humor para quem acabava de voar mais de dez horas, a tempo de acompanhar a pré-estréia de Babel no Festival do Rio 2006, Iñarritu falou a ISTOÉ sobre a ousadia de mesclar um orçamento baixo para os padrões internacionais (US$ 25 milhões) e logística hollywoodiana, filmando em três continentes. “Tive de submergir em quatro culturas e quatro pontos de vista distintos.” Terceiro momento da trilogia iniciada por Amores brutos (2000) e 21 gramas (2004), Babel tem a compaixão como fio condutor, “sentimento perdido pela humanidade”, lamenta Iñarritu. Com extrema habilidade, ele costura tramas que misturam culturas tão díspares como as do Marrocos, Japão, Estados Unidos e México, sua terra natal.

A história começa com um acidente. A americana Susan (vivida por Cate Blanchett), mulher de Richard (o personagem de Brad Pitt), é atingida por uma bala perdida em um ônibus turístico em pleno deserto do Marrocos. O disparo foi provocado por crianças que pastoreavam cabras e mediam a eficácia do rifle presenteado pelo pai. A partir daí, o drama repercute de forma engenhosa em três continentes através de uma montagem vertiginosa. “O público ficou muito preguiçoso. O cinema é uma experiência emocionalmente fragmentada”, afirma o diretor, acostumado a ouvir as histórias contadas pelo pai, sempre começadas pelo meio. “Era uma forma de prender meu interesse”, diz. A fórmula deu tão certo que resolveu aplicá-la em seu próprio estilo de contar histórias.

Dessa vez Iñarritu se inspirou no relato bíblico da Torre de Babel, erguida pelos homens para alcançar o céu. Em resposta, Deus os puniu pela ousadia e os colocou falando diferentes idiomas. Não por acaso, o cineasta mostra um mosaico de culturas entrelaçadas pelos avanços tecnológicos e ameaçadas pela dificuldade dos homens em manifestar o afeto. Além de trabalhar pela primeira vez com atores se expressando em línguas desconhecidas, Iñarritu teve que lidar com as adolescentes surdas-mudas, amigas da atriz principal no Japão, Kôji Yakusho. Segundo ele, 60% do resultado vem do roteiro, nascido de uma idéia sua, e os 40% restantes são fruto da montagem, que consumiu seis meses. “Filmar é carregar as pedras brutas. Editar é esculpir para dar a forma”, afirma. É por meio desses diferentes ângulos que ele consegue saltar do plano político e social para a história íntima sobre pais e filhos. As três obras da trilogia, aliás, são dedicadas aos filhos, Maria Eladia, 11 anos, e Eliseo, nove.

Os garotos são fruto de um casamento de 14 anos com a fotógrafa Maria Eladia, autora de um livro sobre Babel. O volume traz imagens do fotógrafo brasileiro
Miguel Rio Branco, “um dos poucos gênios vivos no momento”, elogia o diretor
de 43 anos. Ele ainda não sabe sobre o que será seu próximo trabalho, mas
gostaria que o assunto fosse o futebol e que a história se passasse no México e no Brasil. “Quero fazer o filme com meus amigos Fernando Meirelles (Cidade de Deus) e Walter Salles (Central do Brasil)”.