Até a última semana, a idéia de fazer uma cirurgia em um centro médico armado no espaço sideral, com gravidade zero, soaria como cena de filme de ficção científica. Mas, sobre o tema, pode-se dizer que a quarta-feira 27 entrou para a história. Neste dia, cientistas liderados por Dominique Martin, chefe do serviço de cirurgia plástica do Hospital Universitário de Bordeaux, na França, extraiu um pequeno tumor benigno do antebraço do voluntário Philippe Sanchot a bordo de um avião Airbus adaptado para simular a ausência de gravidade. Primeira na história da medicina, a operação é parte de um projeto que avalia as chances de prestar cuidados emergenciais em vôos espaciais. Servirá de modelo para futuras cirurgias em tripulantes de estruturas em órbita. “Agora sabemos como operar no espaço sem dificuldades”, afirmou Martin.

O feito reuniu o esforço de médicos e engenheiros do Centro Nacional de Estudos Espaciais da França. Para neutralizar a força gravitacional (a atração que a Terra exerce sobre corpos colocados na sua vizinhança) sem aventurar-se pelo cosmos, a aeronave, apelidada de Zero-G, subiu até oito mil metros de altura para depois despencar em queda livre por 22 a 24 segundos. Nesse tempo dá-se uma suspensão da gravidade e tudo flutua. Por isso, os aparelhos usados pela equipe tiveram de ser fixados ao solo com o auxílio de imãs. O paciente ficou preso à maca e os médicos, ao chão da aeronave. Eles precisaram trabalhar dentro de uma tenda de proteção para evitar que resíduos como gotas de sangue pudessem expandir-se pelo ar. A ausência de gravidade repetiu-se 31 vezes nas três horas de vôo.

A proeza é um grande passo da medicina espacial. “Ela abre uma perspectiva que pode permitir a realização de cirurgias na ausência de gravidade”, afirma a médica Thaís Russomano, coordenadora do Laboratório de Microgravidade da PUC do Rio Grande do Sul. Isto é importante diante do aumento da exploração do espaço. Hoje, um astronauta que precise ser submetido a uma cirurgia deve ser trazido de volta à Terra. Iniciativas como essa experiência possibilitarão ganho de conhecimento e treinamento suficiente para que, no futuro, quem estiver em órbita possa continuar por lá, mesmo que necessite passar por um bisturi.