Mães, sempre elas. Bastou que as notas caíssem um pouco para que o estudante mato-grossense Carlos Cruz ficasse sem direito a computador. Por decisão materna, a máquina ficou escondida por três meses. E foram mais três meses sem que o filho pudesse jogar. Um semestre, portanto, sem o WarCraft, um game de estratégia com seres míticos que reúne fãs no mundo todo. O zelo poderia ser considerado normal não fosse por três fatos: o jovem tem 24 anos, está no quarto ano de medicina e é um dos nomes mais conhecidos num universo bastante particular, o dos gamers. Ou seja, pessoas que se dedicam a jogos eletrônicos como se estes fossem um esporte convencional. “Minha mãe diz que a faculdade está em primeiro lugar. Está certo, mas ficar seis meses sem treinar foi um risco. Para mim, o jogo não é diversão. É competição”, afirma.

Apelidado de Levin (nome de uma sonda nasogástrica), o futuro médico se refere à alta competitividade do meio. Pelas estimativas da agência Marketing Cell, especializada em entretenimento digital, há oito milhões de jogadores no Brasil. Desses, 500 mil dedicam pelo menos 15 horas por semana à prática. Apesar do “boicote” da mãe, Levin conseguiu recentemente ficar em segundo lugar na categoria WarCraft da etapa nacional do World Cyber Games (WCG), uma Copa do Mundo dos jogos eletrônicos. Com isso, vai para a grande final, que reunirá 700 representantes de 70 países dentro de três semanas, em Monza, na Itália. O torneio distribui US$ 432 mil em prêmios.

Em 2005, o gaúcho André Zilio ou Quanchi – dez entre dez gamers têm apelidos – faturou US$ 10 mil ao conquistar a medalha de prata no Warhammer, outro game de estratégia. “Comecei a treinar forte em junho. Na semana anterior à final brasileira, joguei seis horas por dia”, conta. Quanchi, estudante de economia de 21 anos, recebe orientação de amigos do Exterior. Ele pertence a um clã inglês, o TMG. Clãs são times formados por aficionados de várias partes do planeta. Alguns grupos são tão idolatrados que os jogadores pedem para entrar. Mas o bom mesmo é ser convidado a ingressar nas equipes, como ocorreu com o gaúcho. Lá fora, os integrantes recebem até salário.

Pricila (assim mesmo, sem o s) Santos, 20 anos, diz que 90% dos jogadores pertencem a um time. É comum colocar o nome da equipe à frente do próprio apelido. A jovem entra nas provas de Need For Speed, jogo de corrida, com uma sopa de letras: NOS7XPrix. Vaidosa, Pricila ou Prix difere das colegas. “Faço questão de usar saltinho”, revela a gaúcha. Única mulher a participar da final nacional do WCG, ela não conseguiu vaga para a Itália. São 15 brasileiros classificados. Entre eles, André Buffo, o Scorpion, 15 anos, de Laranjal Paulista (SP), campeão de Fifa, o jogo de futebol. Além da vaga, ele diz que o game lhe trouxe outras vantagens. “Eu, que era briguento, aprendi a conviver melhor com as pessoas. Isso pode virar até profissão”, comenta.

No Brasil, existem poucos gamers profissionais. É o caso do paulista Alexandre Borba, 22 anos, o popular Gaulês. Desde 2003 ele e sua equipe, a G3X, têm salário –não revelado–, centro de treinamento, manager e até psicólogo, tudo pago pela multinacional Intel. Ele reserva cinco horas diárias para o Counter Strike, uma batalha contra terroristas. O G3X é tão famoso que sempre surgem interessadas nos moços. As mais fanáticas são chamadas de “maria-mouse”. Só que os rapazes não querem farra. O problema é que as disputas estão cada vez mais difíceis, já que muitos fazem preparações rígidas. O time perdeu para a equipe MiBR, que esteve recentemente na Suécia para treinar com os melhores jogadores de Counter Strike. Gaulês espera se recuperar na próxima disputa. Mas sua mãe já o procurou para discutir o resultado. “Ela perguntou se a gente não estava treinando direito”, brinca. Ouvir os pais pedindo para jogar mais? Isso, sim, é uma inversão de costumes.