Cerca de 14 milhões de brasileiros mudam de humor tão rápido quanto intensamente. Num único dia, vão da mais ampla euforia à depressão profunda. São vítimas do transtorno bipolar, doença caracterizada por essa oscilação brutal de sentimentos. Algo como se o paciente vivesse em uma eterna montanha-russa de emoções. Para piorar, um estudo que acaba de ser publicado revelou que o impacto da enfermidade vai além do sofrimento do doente e de sua família. Conduzido na Universidade de Harvard, nos EUA, o trabalho mostra que um trabalhador vítima da doença perde em média 65 dias de trabalho por ano. Apenas como comparação, um portador de depressão deixa de trabalhar 27 dias anualmente. Ou seja, o transtorno traz um prejuízo à vida profissional aproximadamente duas vezes maior do que a depressão. Agora, as boas notícias. Até pela magnitude do distúrbio, há um esforço recente para encontrar soluções mais eficazes de controle. Os resultados têm sido animadores. Eles incluem de descobertas sobre alterações cerebrais associadas ao problema à confecção de melhores tratamentos.

Um dos principais avanços é brasileiro. Uma equipe do Hospital das Clínicas de Porto Alegre encontrou uma substância que poderá ser usada para aprimorar o diagnóstico da doença. É a BDNF, da sigla em inglês para fator neurotrófico derivado do cérebro. O composto estimula a produção de neurônios em determinadas áreas. Entre elas está o hipocampo, estrutura relacionada à memória. Os cientistas descobriram que tanto na fase depressiva quanto na fase maníaca da doença há uma redução na presença do BDNF.

O achado leva a duas conseqüências. A primeira é a possibilidade de criação de um teste diagnóstico. Se for aferida a baixa quantidade da substância, é uma evidência de que a doença está em curso. Só aí será um progresso. Afinal, um dos maiores problemas no combate ao transtorno é a dificuldade em identificá-lo. “Em média o paciente tem mais de três diagnósticos incorretos antes de receber o tratamento correto”, afirma a psiquiatra Doris Moreno, do Hospital das Clínicas de São Paulo e especialista no tema.

O segundo resultado da pesquisa é a constatação de que o transtorno causa um comprometimento cerebral maior do que se supunha. “Há um sofrimento neuronal importante. Por isso é necessário fazer um controle adequado e o mais cedo possível para que não se tenha uma perda de neurônios irreversível”, explica o psiquiatra Flávio Kapczinski, um dos responsáveis pelo trabalho. De fato, basta imaginar, por exemplo, o dano que a enfermidade pode causar à memória à medida que sua evolução prejudica a criação de novas células nervosas no hipocampo.

Em relação aos tratamentos, também há avanços. Além do lítio, tradicional medicamento usado contra a doença, há um arsenal maior de remédios. Os mais novos são da classe dos antipsicóticos atípicos como a olanzapina, a quetiapina e o aripiprazol. Por outro lado, nos EUA um novo modelo de terapia entusiasma os médicos e não se baseia em nenhuma droga recém-descoberta. O esquema foi detalhado em um artigo publicado na revista da Associação Americana de Psiquiatria. Durante três anos, um grupo de pacientes recebeu o auxílio tradicional, baseado em medicação. Outro teve remédios e assistência de enfermeiras orientando sobre como lidar melhor com a doença. Nas sessões semanais, profissionais e pacientes reuniam-se para trocar experiências e aprender a identificar quando os sintomas estavam começando a surgir, por exemplo. Após o término da pesquisa, o grupo que participou dos encontros manifestou redução de crises, melhor produtividade no trabalho e boas relações com família e amigos.

A prática tem mostrado de fato que uma boa rede de suporte emocional, incluindo aí a psicoterapia, contribui bastante para a melhora. A dona-de-casa Elizabeth Correia, 42 anos, por exemplo, participa dos trabalhos da Associação Brasileira de Familiares e Portadores de Transtornos Afetivos, com sede em São Paulo. “Nas reuniões, você compartilha o que está vivendo e constata que há muita gente sofrendo também. Saímos aliviados”, conta. Elizabeth só descobriu ser portadora do transtorno há cerca de dois anos e meio. Antes, passou três anos sendo tratada de depressão. “Agora, com o tratamento correto, ganhei mais qualidade de vida”, conta.

Um dos desafios que ainda permanece, porém, diz respeito à elucidação das causas do distúrbio. Sabe-se, por exemplo, que há origem genética. Filhos de um progenitor afetado apresentam 5% de risco de ter a doença. Se pai e mãe forem doentes, a chance pula para 30%. Mas como ocorre com toda enfermidade mental, há uma variante de razões que vai além dos genes. Contam para o seu desenvolvimento fatores ambientais e eventos como abuso de drogas e ocorrência de fatos traumáticos.

Outro obstáculo a ser vencido é aprimorar o diagnóstico e o tratamento dispensado às crianças. Estima-se que uma entre 100 crianças e adolescentes seja portadora do distúrbio. No entanto, a exemplo dos adultos, a identificação dos casos demora
a acontecer, quando ocorre. “Uma em cada cinco das que hoje são tratadas de hiperatividade na verdade tem o transtorno”, exemplifica o psiquiatra Fábio Barbirato, chefe do setor de Psiquiatria Infantil da Santa Casa de Misericórdia
do Rio de Janeiro.

É uma situação grave. Segundo o especialista, quanto mais cedo os sintomas se manifestam – e não são controlados –, piores as conseqüências. Até 20% dos pacientes com menos de 18 anos têm mais chance de cometer suicídio na fase depressiva, outros 30% ficam em maior risco para o abuso de drogas e 40% apresentam convivência social inadequada. Mas há alguns sinais que ajudam a identificar um paciente mirim. Um deles é a manifestação de uma sexualidade exacerbada e uma mania de grandeza evidente, como achar que é o melhor da escola e que nada pode derrotá-lo. Agora, os médicos pretendem intensificar um trabalho de esclarecimento junto a professores, por exemplo, para que eles também possam ajudar no combate à doença.