A calma, como sempre, reinava na cidade de Genebra, na Suíça, na segunda-feira 25. Às margens do lago Léman, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, participava da assembléia da Organização Mundial de Propriedade Intelectual e admitia a dificuldade do governo brasileiro em lidar com um dos maiores problemas da indústria: a pirataria de produtos. “O combate deve ser feito, desde que não envolva um custo absurdo”, disse Gil. No mesmo dia, no frenético camelódromo da rua 12 de Outubro, em São Paulo, o ambulante José da Silva*, 20 anos, primeiro grau incompleto, vendia uma cópia falsificada do DVD Acústico, do ministro-cantor, por R$ 5. E sem drama na consciência. “Já trabalhei quatro meses de domingo a domingo num açougue para ganhar R$ 600. Na rua, não tenho patrão”, diz ele, enquanto finaliza o “gato” que fornece energia à tevê de sua barraca.

A pirataria é um fenômeno social e econômico da maior importância no Brasil. Empresas que pagam impostos investem milhões de reais em suas marcas, que são copiadas em produtos de qualidade inferior. Brinquedos, tênis, bolsas, CDs, DVDs e programas de computador são vendidos nas principais capitais do País. Ninguém paga imposto, o governo perde arrecadação e os consumidores não têm com quem reclamar se o produto der defeito. Para melhor entender o impacto desse negócio, o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), que reúne diversas empresas e entidades afetadas pelo problema, mapeou o funcionamento do comércio pirata no País. O documento, recém-entregue à Polícia Federal e obtido com exclusividade por ISTOÉ, detalha os negócios em centros de vendas de 55 cidades em sete Estados – Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina – e no Distrito Federal. Os 34 pesquisadores anotaram tudo: número de lojas, produtos vendidos, faturamento, circulação de pessoas. As conclusões são interessantes.

A estimativa do FNCP é que o faturamento da indústria pirata no País alcance R$ 6,5 bilhões por ano. As perdas de impostos chegam a R$ 1,5 bilhão. Nada menos que 1,5 milhão de pessoas circulam diariamente por esses lugares. E, mais surpreendente, dos freqüentadores, 70% têm, no mínimo, o segundo grau completo. E 23% concluíram o ensino superior. “A idéia de que as pessoas compram produtos piratas porque não têm informação não é verdadeira”, diz Carlos Alberto Camargo, um dos responsáveis pelo estudo. Alexandre Cruz, secretário executivo do Fórum, afirma que os compradores sabem que os produtos são falsificados, mas desconhecem as conseqüências do ato. “Eles não têm idéia de que uma compra aparentemente inocente termina por financiar o crime organizado e tira o emprego formal de milhares de pessoas”, afirma. Além disso, comprar produto pirata é crime de receptação, com pena de um a quatro anos de detenção.

De acordo com a Interpol, os produtos falsificados movimentaram no mundo US$ 516 bilhões em 2005 e superaram o narcotráfico (US$ 322 bilhões). De cada 100 computadores espalhados Brasil afora, 64 rodam programas pirateados. No mundo, essa média é de 35%. “Nosso setor agregaria US$ 3,7 bilhões à economia e geraria 101 mil empregos diretos e indiretos se esse porcentual se reduzisse 10% nos próximos quatro anos”, diz Emílio Munaro, responsável pela área de propriedade intelectual da Microsoft no Brasil. Muitos argumentam que o problema da pirataria seria sanado se o preço dos produtos originais fosse mais barato. Os fabricantes formais de PCs repassaram aos consumidores os benefícios tributários da MP do Bem. Com isso, eles “roubaram” 10% de mercado dos informais.

Por conta das operações de busca e apreensão realizadas pela PF no último ano, a indústria pirata agora trabalha no sistema “just in time”. Nos estandes há somente catálogos. Quando um produto é solicitado, o vendedor encomenda a mercadoria a um companheiro via rádio. Não há estoque no local. Isso diminui as perdas com apreensões. “O governo deu ênfase na repressão contra os vendedores. Faltou combate à pirataria interna e também controle mais rígido nas fronteiras”, avalia o advogado André de Almeida, membro do Conselho Nacional de Combate à Pirataria.

A solução do problema passa por medidas econômicas que diminuam a diferença entre o preço do original e do pirata. Mas também pela reintegração à economia formal de milhares de pessoas, como Marcos Santos*, 28 anos, que vende tênis Nike falsificado por R$ 30 no centro de São Paulo. “A gente não está aqui porque quer”, diz ele. “Isso aqui mal dá para sobreviver.”

*Nomes alterados a pedido dos entrevistados