Abel Pereira, o discreto empresário de Piracicaba (SP) que há três semanas ganhou notoriedade nacional ao ser apontado como o operador da máfia dos sanguessugas na gestão tucana no Ministério da Saúde, já não é tão desconhecido da Polícia Federal. Das primeiras investigações feitas a partir das denúncias da família Vedoin a ISTOÉ começaram a emergir os negócios que unem em uma mesma corrente Abel, os Vedoin e Barjas Negri, atual prefeito de Piracicaba e ex-ministro e secretário executivo do Ministério da Saúde. Trata-se da liberação de quase R$ 500 mil para a ampliação do hospital da cidade de Jaciara, no interior do Mato Grosso, onde Abel possui uma fazenda. Foi o próprio Abel quem intercedeu junto ao Ministério para que o dinheiro saísse. Tarefa que conseguiu realizar em apenas 12 dias. A pressa certamente se deve ao fato de que menos de 30 dias depois um novo governo tomaria posse. O projeto do convênio da Prefeitura de Jaciara foi cadastrado no Ministério da Saúde em 6 de dezembro de 2002 e em 18 de dezembro o convênio prevendo a liberação de R$ 495 mil foi assinado por dois amigos de Abel: Barjas Negri, o então ministro da Saúde, e Valdizete Martins Nogueira, o prefeito de Jaciara.

Além da velocidade em abrir os cofres do Ministério, a PF também já descobriu que Abel operou simultaneamente em Brasília e no interior mato-grossense. Em 24 de dezembro, quando o Ministério entregou os R$ 495 mil, Abel participava sozinho de uma licitação para ganhar a obra em Jaciara. Uma de suas empresas, a Construtora e Pavimentadora Cicat Ltda., saiu de Piracicaba e foi fazer o serviço em Mato Grosso. Dias depois, em janeiro de 2003, empresas do grupo Planam, segundo os Vedoin, fizeram depósitos bancários na conta do prefeito Valdizete no Banco do Brasil, a pedido do empresário de Piracicaba. O contrato entre a prefeitura e a empresa de Abel foi assinado em 21 de março de 2003 e ao dinheiro repassado por Brasília o município somou outros R$ 55 mil como contrapartida. Da verba total, R$ 414 mil foram destinados a ampliar em 747 metros quadrados o hospital local, obra pela qual Abel ficou responsável. O restante foi destinado à compra de equipamentos. E quem ficou com esse contrato de R$ 136 mil? A empresa Manoel Vilela de Medeiros, de propriedade de Ronildo Medeiros, sócio de Darci e Luiz Antônio Vedoin, os donos da Planam, a empresa chefe da máfia das ambulâncias.

Na terça-feira 26, a Polícia Federal e o Ministério Público abriram o inquérito que investiga as atividades de Abel Pereira e suas relações com o ex-ministro Barjas Negri. Já descobriram que nos arquivos do Ministério da Saúde não existe mais a memória das audiências do ex-ministro. A agenda de Barjas simplesmente desapareceu. Com ela, foi-se a possibilidade de conferir quem freqüentava seu gabinete, mas o que não faltam são pistas para serem seguidas. Na entrevista concedida a ISTOÉ, os Vedoin descreveram como o empresário agia e, à Justiça, os donos da Planam, apresentaram documentação bancária para comprovar o que disseram. Eles entregaram cheques que totalizam R$ 601,2 mil, que teriam sido entregues ao próprio Abel. Também apresentaram uma série de depósitos bancários que teriam feito a pedido de Abel. É a partir dessa documentação que a PF, o MP e a CPI dos Sanguessugas iniciam suas investigações. “As provas são suficientes para que as investigações sejam aprofundadas”, sentenciou o presidente da comissão, deputado Antônio Carlos Biscaia, do PT do Rio de Janeiro. “A documentação envolve o ex-ministro Barjas Negri e Abel Pereira de forma contundente”, prosseguiu ele, logo após analisar os documentos enviados à CPI pela Justiça Federal de Mato Grosso. Até o PSDB admite haver o que investigar. “Independentemente de o Abel ser vinculado ao Barjas ou ao PSDB, não há dúvidas de que ele deve ser ouvido”, disse a ISTOÉ o deputado Carlos Sampaio (SP), sub-relator da comissão de inquérito.

Outro mistério a ser desvendado é por que Abel tinha tanto interesse em falar com os Vedoin dias antes de eles revelarem a ISTOÉ o lado tucano do esquema sanguessuga. Grampos telefônicos feitos pela PF nos telefones dos chefes da máfia mostram que Abel conversou com os Vedoin às vésperas da entrevista a ISTOÉ, o que reforça a suspeita de que o empreiteiro tentou cooptá-los. A PF suspeita que os donos da Planam estavam fazendo jogo duplo. De um lado, negociavam com o PT um punhado de fotos e um vídeo vazio, que afirmavam comprometer o ex-ministro José Serra. De outro, conversavam com Abel, que tinha pleno interesse em manter os Vedoin calados diante dos tucanos. Na quarta-feira 27, até o presidente Lula se manifestou: “A essência é que o Barjas Negri está envolvido nisso. Quando falam o nome dele, não falam Barjas do PSDB. Quando tem alguém do PT, é do PT.”