Um desafio caro a qualquer governante é mexer no vespeiro chamado reformas. E um ninho de vespas de bom tamanho já se avista em 2007. Está anunciada para o próximo ano uma guerra entre o governo e os empregados por conta das transformações previstas para acontecer nas relações de trabalho dos brasileiros. As entidades empresariais como a CNI e Fiesp já fazem carga pelo fim da multa de 40% nas rescisões contratuais, pela diluição do 13º salário em várias parcelas, redução das férias para 20 dias e diminuição da licença-maternidade de quatro para dois meses. A contrapartida dos empresários é gerar três milhões empregos. O sofisma dos patrões nem de longe sensibiliza os sindicalistas, que contra-atacam anunciando que usarão de artilharia pesada pela manutenção das conquistas. Nessa frente de batalha, pelo menos uma trégua é consensual: o fim de quase 60% dos sindicatos brasileiros que surrupiam do bolso dos empregados um dia de trabalho por ano. As alterações na lei levarão para o ralo cerca de 15 mil desses. A batalha promete ser longa e o próximo ocupante do Palácio do Planalto estará diante da quase impossível tarefa de tentar fazer as reformas sem provocar uma luta de classes.

Experiências de reformas tidas no mundo mostram que não serão fáceis essas mudanças. Há seis meses, a fúria de milhares de franceses contrários às alterações das leis trabalhistas mostrou ao planeta que a combinação dos verbos flexibilizar e modernizar relações entre o capital e o trabalho não é tarefa tão simples assim. No Brasil, impávidos sindicalistas prometem repetir a iniciativa das organizações européias, caso a idéia de cortar as conquistas seja levada a cabo. “Vamos botar fogo neste país”, adverte José Maria de Almeida, um dos representantes da Coordenação Nacional de Lutas. Com apenas cinco meses de fundação e 215 entidades de classe filiadas, a Conlutas é a mais nova e radical organização popular e sindical brasileira. “Caso a reforma seja votada, faremos um levante popular”, diz José Maria. Ele pode não estar blefando. Nos últimos meses, militantes do PSOL e do PSTU assumiram sindicatos estratégicos como os dos Metalúrgicos de Volta Redonda, Metroviários de São Paulo e parte da representação dos bancários. A pressão por uma atuação mais radical tem obrigado a CUT – quinta maior central sindical do mundo – a rever sua estratégia de organização. Fugiu do controle da direção da entidade a greve que parou os bancos em seis Estados da Federação. “Foi uma rebelião da base”, admite um dirigente da própria central ligada ao PT, que pede o anonimato.

Para enfrentar essa onda vermelha e aprovar as reformas, governo e empresários costuram nos bastidores a versão brasileira do Pacto de Moncloa – projeto implementado na Espanha pós-ditadura, que uniu empresários, partidos políticos de centro a esquerda, sindicatos e sociedade civil para garantir duras reformas econômicas –, aqui chamado de “projeto de concertação nacional”. A surpresa que pode atrapalhar esse pacto é justamente essa nova safra de dirigentes sindicais. Radicais, intransigentes, bons negociadores e distantes dos bondosos orçamentos do Estado, esses “novos barbudos” admitem que a paciência chegou ao fim. “Acabou a época das chantagens da governabilidade”, antecipa Wagner Xavier, assessor do Sindicato dos Trabalhadores do Saneamento do Estado de Minas Gerais (Sindagua). Ligado à CUT – central com uma base de 21 milhões de trabalhadores –, Xavier aposta no chavão, o embate da luta de classes. “Foi tentada a conciliação e não deu certo. Qualquer novo pacto é ilusão”, entende Xavier, que não poupa nem mesmo a sua própria organização. “As mudanças mexem direto no bolso e na vida das pessoas, por isso a CUT não pode mais agir da maneira como vem se comportando”, alerta.

Engana-se quem aposta na divisão do sindicalismo nacional para implementar mudanças. A avassaladora desorganização sindical que o País vive não servirá como anabolizante para empresários e governo passarem as reformas. “Conseguimos uma evolução surpreendente nos últimos quatro anos com as negociações coletivas, como a do aumento do salário mínimo”, analisa João Carlos Gonçalves, o Juruna da Força Sindical. “Estamos muito mais maduros para atuar juntos e derrubar qualquer proposta que vá contra os empregados”, conclui.

Uma coisa é clara: enfrentar o Estado não é nenhum monstro para esses dirigentes. Em 1981, uma reunião com 5.030 militantes sindicais – a maioria deles hoje está na CUT e no Palácio – pôs fim a quase duas décadas de sufoco aos sindicatos nacionais imposto pelos militares. Era a 1ª Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat) considerada o embrião do “novo sindicalismo” nacional. Naquela época, Lula e cia. tinham absoluta certeza de que era necessário aos sindicatos se desatrelarem economicamente do Estado. Para tanto, prometeram lutar para quebrar a espinha dorsal das entidades chamadas “pelegas”, fechando a torneira dos recursos financeiros. Passaram-se 25 anos, quatro eleições presidenciais e a chegada ao poder do mais ilustre representante daquela reunião, mas nada mudou. Nem sequer o imposto sindical – uma contribuição obrigatória que assalta o bolso do assalariado uma vez ao ano com o pagamento referente a um dia de labuta do trabalhador – foi derrubado. Essa medida, porém, ao contrário das mudanças nas leis do trabalho, continua tendo apoio das entidades de classe. Pelo menos 30% dos quase 20 mil sindicatos brasileiros concordam com a tese. “Tem que mudar. Hoje, é mais fácil montar um sindicato que abrir uma microempresa”, admite Artur Henrique, presidente nacional da CUT.

Curto-circuito

A nova face do sindicalismo nacional credita à forte ligação da CUT com o governo a responsabilidade pela crise do movimento sindical. Antagonicamente, Lula carregou para dentro da máquina do governo centenas daqueles líderes de 1981, compondo uma república sindical. Um desses maiores ícones é Jair Meneguelli, ex-presidente da CUT, que teve uma discreta militância nos últimos quatro anos, confortavelmente amparado no salário superior a R$ 20 mil. A aproximação do poder não foi realmente saudável para os sindicalistas. Muitos dos envolvidos no escândalo do dossiê contra os tucanos emergiram daquele agosto de 1981, como o ex-líder sindical Oswaldo Barjas. O sociólogo Francisco Oliveira é categórico ao afirmar que “a erosão da base do trabalho e a falta de representação dos partidos e sindicatos produzem um curto-circuito que é fatal para a política e para o exercício do governo”.