NO DIVÃ O analista Antônio e Marcos: hiato de seis meses em 16 anos de terapia

Toda separação é dolorosa. Seja entre amigos, namorados, casais, amantes ou até mesmo colegas de trabalho. Mas há um vínculo que pode ser um dos mais difíceis de desfazer: a relação entre paciente e analista, que muitas vezes dura mais do que um casamento. O terapeuta não é amigo, pai, mãe ou irmão, mas conhece mais da intimidade do cliente do que qualquer outra pessoa. No consultório, segredos e medos são partilhados, e, como em toda relação, também ocorrem conflitos. "Fiquei revoltado quando a minha analista disse que eu tinha uma visão infantil do mundo. Saí do consultório dizendo que não ia voltar mais. Levei cinco anos de terapia para perceber que ela tinha razão", conta Paulo Becare Henrique, há cinco anos em tratamento. "Estou trabalhando aos poucos a idéia de me desligar dela e andar com as próprias pernas, mas sei que não vai ser fácil."

Em muitos casos, os longos anos de análise são decorrentes de uma profunda relação de intimidade. É o caso do engenheiro Marcos Melo, 52 anos, que sofre de depressão e faz terapia há 16 anos com Antônio Sérgio Pereira. "Não me imagino com outro analista. Teria que começar do zero e contar a minha vida toda de novo." Há dois anos, Marcos precisou se dedicar mais ao trabalho e interrompeu a análise por seis meses, mas logo sentiu falta. "Não fiquei bem e percebi um aumento nas minhas oscilações de humor sem as sessões. Com a terapia, fico mais estável." E o apego ao processo não é unilateral. O analista também sente falta do paciente e não está imune a um envolvimento emocional. "Eles deflagram na gente questões internas. Ninguém é analista sozinho. É um jogo em que nenhum dos dois sabe ao certo o que vai acontecer. É uma grande aventura", avalia a psicanalista Marli Piva.

Às vezes, a análise promove tantas mudanças positivas na vida do paciente que a relação com o terapeuta beira a dependência. "Não consigo me imaginar tomando nenhuma decisão sem ele", afirma Paulo Moreno, 28 anos, gerente de recursos humanos. Há cinco anos, quando começou a freqüentar duas sessões por semana, o seu desafio era adaptar a sua maturidade às oportunidades profissionais que surgiam. Os conflitos mudaram, mas o vínculo com o terapeuta se manteve, e, a cada semana, Paulo levanta novas questões na sessão. "Na terapia, há sempre um novo desafio. Desde que comecei, tudo mudou para melhor. Tripliquei meu salário, mudei de emprego, comecei a namorar, enfim, prosperei", comenta ele, que não falta a nenhuma sessão.

Alguns profissionais são contrários ao longo "casamento" entre terapeuta e paciente. É o caso da psicoterapeuta Maura de Albanesi, que aposta na eficácia do rodízio de analistas e no tempo máximo de permanência de dois anos com o mesmo cliente. "Acima deste período, a pessoa cria uma dependência, vira uma conversa de comadre e o profissional já não tem como abastecer o paciente. O terapeuta também atinge o seu limite", defende. A administradora Sônia Andrade Mendonça, 58 anos, confirma a tese. Ela faz terapia há 18 anos e mudou três vezes de analista. "Chega um momento em que o processo se esgota. A gente precisa cortar o vínculo e procurar outra pessoa para renovar as nossas questões."