Tem urgência o País que despertará das urnas após este domigno. Depois de padecer por quase dois anos com seguidas denúncias de corrupção, o Brasil já sabe as causas que estão na raiz da maioria dos esquemas que vieram à tona. Campanhas eleitorais milionárias, falta de consistência programática e ideológica dos partidos políticos, falhas na elaboração do Orçamento Geral da União. Eis aí um resumo do ambiente que cria mensaleiros e sanguessugas. Um ambiente que se soma à carga tributária altísisma, ao risco do déficit previdenciário e às fortes desigualdades sociais para inibir os investimentos e travar o desenvolvimento brasileiro. Todas essas questões, na forma de propostas de reformas constitucionais e projetos de lei, estão na agenda do Congresso Nacional para o ano que vem. O novo Congresso sabe que estará pressionado a abordar e resolver esses temas. O problema, porém, é que as projeções feitas sobre as novas bancadas apontam para a manutenção, ou mesmo piora, do mesmo estado de paralisia que assolou o Parlamento nos últimos anos. O que se pergunta é: este Congresso terá condições de discutir e votar as reformas que o País precisa e merece?

Projeções feitas pela empresa de consultoria Arko Advice e pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) apontam para um Congresso rachado ao meio entre os que hoje apóiam o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a oposição. Nenhum dos dois grupos será capaz de garantir o comando da Câmara e do Senado. E as pontes para um entendimento entre os dois lados foram por água abaixo com as denúncias na reta final da campanha, sobre a tentativa de compra, pelo PT, de um dossiê contra o candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra.

No novo Congresso, o PMDB servirá como o fiel da balança. Terá a maior bancada na Câmara e deve atuar dentro do governo. Mesmo assim, isso parece insuficiente para garantir estabilidade nas votações. O PFL, seu velho rival, deverá vir como a maior bancada no Senado, e exigirá a presidência da Casa. O governo terá, então, de dividir com a oposição o comando do Congresso.

Acordos serão mais difíceis

O pacote de reforma política em discussão prevê a adoção do financiamento público de campanha como saída para a eliminação dos vícios que geraram esquemas como o mensalão. Com a retirada do financiamento privado, os que defendem o formato público de custeamento das campanhas imaginam conseguir extinguir o caixa 2, o pagamento não declarado de benesses por empresas e outros financiadores, gênese dos esquemas de corrupção. Também inclui o instituto da fidelidade partidária para coibir a troca de partidos à custa de dinheiro ou da liberação de emendas parlamentares, outra das raízes tanto do mensalão quanto da máfia dos sanguessugas. Outro tema na pauta do Congresso para o ano que vem que mexe com a raiz dos escândalos é a adoção do orçamento impositivo. Atualmente, o orçamento é apenas uma autorização dada pelo Congresso de um limite de valor para o governo gastar. O governo é que decide se gasta tudo ou não. Com isso, cria-se um forte instrumento de barganha política, que é a liberação das emendas orçamentárias. Por conta dele é que florescem máfias como a das ambulâncias. A esses somam-se temas de interesse do governo e da sociedade, como a reforma tributária, a criação da Super-Receita (que reúne em um só organismo as receitas previdenciária e fiscal) e a normatização das agências reguladoras.

“A alguns meses, até parecia haver algum clima para o entendimento. Mas essa reta final de campanha tornou qualquer possibilidade de acordo no ano que vem praticamente improvável”, observa o cientista político Murilo de Aragão, presidente da Arko Advice. A Arko estima que, abaixo do PMDB, PT, PFL e PSDB poderão ter mesmo bancadas idênticas. O PT elegerá de 70 a 80 deputados, e PFL e PSDB farão de 65 a também 80 deputados. Um eventual governo Geraldo Alckmin, no entanto, não teria muito maior tranqüilidade para governar, anota a Arko Advice. O tucano provavelmente atrairia para si o PP e o PTB, com os quais Lula, em tese, também pode contar. Como tem a simpatia de uma ala do PMDB, poderia deslocar também o partido para a sua base. Que se somaria aos aliados mais automáticos, o próprio PSDB, o PFL e o PPS. Isso somaria uma base que ficaria entre 285 e 365 deputados.

Fantasmas dos escândalos

Bem mais complicada, porém, será a vida de Lula em um eventual segundo governo no Senado. A sua base já apertada, de 44 senadores, será ainda menor. No ano que vem, a base governista, na melhor das hipóteses, mantém os mesmos 44 senadores. Na pior, reduz-se para 39. O problema é que a melhor projeção para a oposição iguala os mesmos 44. Na pior, os oposicionistas elegem 36 nomes no Senado. O que complicará imensamente a vida do PT é que, desta vez, não deverá ser o PMDB a maior bancada. As projeções indicam que o PMDB cairá dos seus atuais 20 senadores para 17, no mínimo, e 18, no máximo. Enquanto isso, o PFL fará no mínimo 18 senadores e 20 senadores, no máximo. Como maior bancada, exigirá o comando do Senado, no que terá o apoio dos 13 a 16 novos senadores tucanos.

Quanto ao perfil do novo Congresso, nada parece apontar para que o eleitor tenha aprendido a lição dos escândalos. Muitos deputados se reelegerão. O Diap estima que a renovação ficará em torno de 50%. “Não haverá uma oxigenação da política com o surgimento de novos nomes. Em vez de uma renovação real, com gente que nunca participou da vida política, o que se virá, na maioria dos casos, é a eleição de políticos que já foram parlamentares ou estavam em outros cargos”, prevê Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho do Diap. As pechas de folclórico, fisiológico e pouco ético poderão novamente caber para as novas Câmara e Senado. As projeções apontam que disputarão a condição de campeão de votos nas eleições deste ano o estilista Clodovil, candidato pelo PTC, e Paulo Maluf, do PP, ambos em São Paulo. Alguns nomes que estiveram no centro das denúncias deverão conseguir a eleição, como Valdemar Costa Neto, do PL, José Genoino, João Paulo Cunha e Antônio Palocci, do PT, todos de São Paulo. E o irmão de Genoino, José Nobre Guimarães, envolvido no escândalo do dólar na cueca, pelo PT do Ceará. Ou beneficiários indiretos, como Cristina Brasil (PTB-RJ), filha de Roberto Jefferson. Não se pode dizer, porém, que o combate à corrupção tenha sido totalmente em vão. Os nomes mais identificados com a apuração das denúncias no Congresso também deverão ter a sua reeleição garantida. Casos de Fernando Gabeira (PV-RJ) e Júlio Delgado (PSB-MG).