Na cena final de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, um pivete armado pergunta para o chefe de sua quadrilha se já ouviu falar da Falange Vermelha. A resposta é: “Não conheço, mas se pintar aí nós ‘passa’ (mata) ela também.” Quase dois irmãos (Brasil, Chile, França, 2004), em cartaz nacional, o quarto longa-metragem de Lúcia Murat, diretora de Brava gente brasileira, esclarece o assunto. Funciona como continuação do épico urbano de Meirelles e situa a ação em três épocas distintas. Na década de 1970, no auge da ditadura militar no Brasil, Miguel (Caco Ciocler) e Jorge (Flávio Bauraqui), respectivamente um preso político branco e um marginal comum negro, se encontram na cadeia.

Amigos de infância nos anos 1950, os dois se reaproximam, mas acabam por reproduzir a situação original. A mãe de Jorge era empregada da mãe de Miguel, e o pai deste, jornalista, investia na carreira do pai de Jorge, um sambista (Luis Melodia, em participação especial), que acabou morrendo sem gravar. O reencontro se revela desastroso e coincide com o fim do radicalismo político e a organização do crime, originando a Falange Vermelha. Em 2004, Jorge (agora vivido por Antonio Pompêo) ainda está preso e recebe a visita de Miguel (Werner Schünemann), um político progressista. Este não sabe que sua filha, Juliana (Maria Flor), se tornou amante do traficante braço direito de Jorge.

Lúcia, que foi presa política, escreveu o roteiro com Paulo Lins, autor do livro que deu origem ao filme Cidade de Deus, que, além da violência, não tem muitos pontos em comum com Quase dois irmãos. Filmado com a câmera na mão, sem os sofisticados recursos de seu antecessor, o filme de Lúcia Murat é valorizado pela música perturbadora de Naná Vasconcelos e a presença de Marieta Severo, ficando ainda mais brasileiro e contundente.