Para quem já foi chamado de “Tim Maia” devido à aversão a compromissos, em especial a entrevistas, ele melhorou muito. Mas Zeca Pagodinho ainda demonstra não gostar de agenda cheia – o que é compatível com quem propagou País afora a filosofia “deixa a vida me levar”. Na semana passada, recebeu ISTOÉ em sua casa, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro, para começar a bateria de reportagens sobre o novo CD, À vera (Universal), cuja tiragem inicial de 100 mil discos acaba de invadir as lojas. Na varanda que dá para o jardim com piscina, araras, cachorros e papagaios (que gritam “louro” o tempo todo), o cantor brinca com Maria Eduarda, a caçula de dois anos. A descontração some quando o gravador é ligado. Simpático e educado, não se nega a responder a nenhuma pergunta. Mas ao seu estilo, tipo: “Você circula muito?” Resposta: “Só em boca braba. Gosto mesmo é de boteco e favela.”

As respostas são pontuadas pelo humor discreto e pela simplicidade, marcas de Jessé Gomes da Silva Filho, nascido em Irajá e criado em Del Castilho, subúrbios do Rio nos quais conheceu muitos amigos que viraram parceiros de samba. “Na minha casa tinha muita festa, meu tio levava amigos para tocar, eu adorava ficar nesse ambiente”, conta ele, que não gostava de estudar e abandonou a escola no “terceiro ano ginasial”. Homônimo do pai, foi apelidado de “Séca” e, logo depois, virou Zeca. Pagodinho veio mais tarde: “Eu era o mascote da ala do Pagodinho, do bloco Boêmios de Irajá, um dos grandes do subúrbio.”

À vera é o 17º CD de uma carreira coroada por quase dez milhões de discos vendidos. “O Zeca tem uma constância de vendagem que é rara. O tipo de samba que faz, muito ligado à MPB, é único”, afirma o vice-presidente da Universal, Max Pierre. Em média, o cantor vende 500 mil cópias por álbum e ultrapassa os 800 mil quando grava ao vivo. O último nesse formato, Acústico MTV, atingiu a soma de 530 mil CDs, além de 210 mil DVDs. O cantor popular é hoje consumido também pela elite. O lançamento do novo CD encabeça a lista de especiais da gravadora e mereceu um investimento à altura: R$ 300 mil.

Como sempre, as músicas de Pagodinho falam dos dramas e das alegrias populares, amores definitivos, paixões que acabam, cerveja, cachorro de estimação. Várias canções já tocam sem parar nas rádios, como Cadê meu amor?, Ninguém merece ou a faixa-título. Segundo Pierre, o disco está em primeiro lugar nas rádios de São Paulo há 40 dias. “Nunca foi tão rápido!”, comemora. Além dos colaboradores habituais, como Rildo Hora, na produção, e Paulão, na direção musical, e de trazer Dudu Nobre, Nei Lopes, Dona Ivone Lara e Monarco assinando algumas composições, À vera reserva uma surpresa para seu público: a participação de Seu Jorge, Marcelo D2 e Jorge Aragão, cujas vozes se uniram na música Zeca, cadê você? A letra, de Aragão e Pagodinho, fala de amigos que estão à procura do cantor “pra beber, papear, abraçar”, mas que acabam não o encontrando. A história é real. O cantor queria comemorar o aniversário de Mônica, sua mulher há 19 anos, convidou os amigos, mas simplesmente deu um endereço e fez a festa em outro, esquecendo-se de avisar a galera. “Essa música foi feita por telefone. O Aragão me ligou sacaneando e cantando samba e eu respondi com verso”, esclarece sem o menor remorso.

O bom humor e espírito “gente boa” desaparece quando o tema é política. Pagodinho se revolta ao falar sobre o aumento de verba de gabinete que os deputados acabaram de ganhar: “Para dar R$ 8 para o trabalhador é uma briga danada. Sou contra essa praga, a imunidade parlamentar. É como dar um aval junto com a eleição: olha aí, agora você pode fazer a merda que quiser.” E não pára por aí. Segundo Pagodinho, “quando roubam dinheiro do INSS estão matando milhares de aposentados por dia, mas não vão para a cadeia. São detidos no Batalhão do Leblon e ficam por lá, embaixo da amendoeira, lendo livro, comendo bacalhau, tomando prosecco. Não sei como é que uma pessoa dessas pode botar a cabeça no travesseiro e dormir sabendo que, ao desviar dinheiro do povo, está tirando a vida dos outros. O que eu queria é que eles vissem de perto como é um barraquinho com dez pessoas dentro comendo em um prato de lata de goiabada.” O desabafo é encerrado com um sorriso que insinua alívio: “Pronto, falei!” À vera. Verdade verdadeira.