Foi de improviso, bem ao estilo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E o recado tinha endereço certo, o governo dos EUA: “Não aceitamos difamação de companheiros, não aceitamos difamação contra companheiros. A Venezuela tem o direito de ser um país soberano, de tomar suas decisões”, afirmou Lula. O discurso foi feito na abertura de uma reunião de cúpula entre o presidente brasileiro, Chávez, o colombiano Álvaro Uribe e o primeiro-ministro da Espanha, o socialista José Luiz Zapatero, realizada na terça-feira 29 em Ciudad Guayana, no interior da Venezuela. E Lula não parou por aí. “Tem muita gente falando mal de nós pelo mundo. Portanto, é importante que tenhamos um dos sócios nos defendendo”, garantiu. Emocionado, Chávez agradeceu: “Obrigado por tuas palavras de solidariedade. Às vezes dói, sabe?”

A troca de amabilidades entre os dois presidentes, aplaudidos pelos demais, foi o fecho de uma semana de pressões americanas pouco sutis contra a Venezuela. Tudo começou com a rápida e desastrada visita do secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, à Argentina e ao Brasil. Em coletiva no Ministério da Defesa, o chefe do Pentágono criticou diretamente Chávez por pretender comprar, entre outros equipamentos, 100 mil fuzis AK-47 de fabricação russa. “Não sei o que ele pretende com isso”, atacou, sem maiores preocupações com a diplomacia. As pressões se seguiram com a divulgação de um relatório do governo americano em que a Venezuela é violentamente criticada como “um país onde a democracia está ameaçada”. E culminaram com um ainda menos sutil telefonema do presidente George W. Bush para seu colega argentino Néstor Kirchner, horas antes do discurso de Lula. Bush, ao estilo texano, disse que estava “muito preocupado com a agressividade da Venezuela”. Kirchner retrucou dizendo que “continuará dialogando com o governo democrático da Venezuela”. O tom do diálogo foi repassado ao quarteto reunido nas selvas da Venezuela e coube a Lula dar o recado político da união sul-americana.

Mas os ganhos de Chávez não se limitaram aos discursos de Lula e de Zapatero e à reaproximação com Uribe. Houve a folclórica aparição de Diego Armando Maradona, recebido com entusiasmo pelos governantes e pelos demais membros das comitivas. “Viva Chávez, viva la Revolución”, gritou Maradona, ao ser conduzido, como uma autoridade, ao encontro do grupo. A conversa passou para o futebol e o ex-craque argentino destacou o fato de que o time de Lula, o Corinthians, “está cada vez melhor, cheio de argentinos”. Lula riu e recebeu de Maradona a promessa de ganhar uma camisa do Boca Juniors. Folclore à parte, o presidente venezuelano encerrou a semana comemorando novos apoios e compras militares. O primeiro ministro Zapatero confirmou que seu país venderá à Venezuela quatro corvetas, quatro lanchas torpedeiras e dez aviões de transporte de tropas e cargas pesadas C-295, de fabricação espanhola, um modelo que também interessa ao Brasil. Zapatero foi mais além, afirmando que a venda, que despertou a ira dos EUA e da oposição venezuelana, “não afeta o equilíbrio regional”. O premiê espanhol destacou que se tratam de navios de guerra com caráter defensivo, para o patrulhamento do litoral, e ainda de combate ao narcotráfico e ao contrabando.

O rearmamento promovido por Chávez não preocupa o Brasil. Pelo contrário,
é visto pelo governo como um direito. Afinal de contas, o Brasil também pretende modernizar sua Força Aérea, com a compra de jatos interceptadores de última geração. O Exército estuda ampliar sua força de helicópteros, fundamentais para as operações de patrulhamento e vigilância de fronteiras e guerra na selva. A Marinha, com a conclusão do seu maior submarino, o Tikuna, já planeja construir outro, ainda maior, último estágio antes do sonhado submarino nuclear. Dificuldades, só com os cortes no Orçamento.

No Itamaraty, Chávez é visto cada vez mais como um aliado político fiel a Lula e sólido parceiro econômico. Isso pode ser medido pela balança comercial entre os dois países. Em 2003, o Brasil exportou US$ 600 milhões e importou US$ 275 milhões da Venezuela. No ano passado, vendemos nada menos que US$ 1,5 bilhão de produtos brasileiros – a grande maioria veículos, máquinas e equipamento –, contra apenas US$ 200 milhões importados. E tem mais. A Petrobras e a PDVSA, a estatal do petróleo da Venezuela, planejam até comprar uma refinaria no Exterior para atuar juntas no mercado americano. Sobre os criticados armamentos, Chávez deve se tornar um belo cliente do Brasil. Quer 24 aviões ALX Super-Tucano e 12 jatos bombardeiros AMX, fabricados pela Embraer, e ainda modernizar aqui sua frota de Tucanos mais antigos. E pensa em montar um mini-Sivam venezuelano, usando a tecnologia brasileira, que inclui os aviões radares nacionais. Lula não pensava apenas na retórica quando defendeu o bom companheiro.

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