A Bienal de São Paulo mudou, mudou em tamanho e conteúdo. Essa sua 27ª versão (Parque do Ibirapuera, entrada franca) expõe apenas 118 obras. Além disso, não apresenta mais representações por países convidados, o que significa que desta vez os artistas foram selecionados diretamente através de curadorias e seguindo o critério de que só está valendo o que é moderno. É assim, por exemplo, que logo na entrada o visitante depara com um stand reunindo publicações ligadas à mostra e criado pelos artistas-arquitetos japoneses do Atelier Bow-Wow, especializados em espaços habitáveis em meio a complexos ambientes urbanos – como Tóquio. Um pouco mais à frente há uma figura vagamente humana, com cabeça de urubu e pés de corça encerrada em um pequeno gramado com cercas duplas – simbolizando uma prisão de segurança máxima. Trata-se de Security with the harvest, obra da sul-africana Jane Alexander que, a exemplo do coletivo Bow-Wow, também tem trabalhos expostos em outros pontos da exposição. É devido a essa mudança conceitual do evento que foi possível estabelecer a “convivência” da artista sul-africana com o grupo de japoneses. Em outras palavras: obras de arte e instalações tão díspares estão alocadas com uma surpreendente proximidade física.

Para se chegar a esse formato, a Fundação Bienal, presidida por Manoel Francisco Pires da Costa, e um colegiado de diretores dos principais museus do mundo tiveram de se decidir entre cinco projetos: o vencedor tem curadoria geral de Lizette Lagnado e se baseia em conceitos do artista brasileiro Hélio Oiticica (1937-1980) e do pensador e ensaista francês Roland Barthes (1915-1980). Há um ano e meio Lizette e os cinco co-curadores rodaram o mundo visitando ateliês e ouvindo sugestões para compor um painel significativo da arte contemporânea que traduzisse artisticamente o tema da Bienal, ou seja, o da “convivência entre as coisas”. Prova disso é que dez artistas, que estão expondo os seus trabalhos, passaram os últimos três meses vivendo e criando no Recife, no Rio Branco e em São Paulo, dentro de um “Programa de Residências Artísticas”. Tudo isso para embasar o tema da Bienal – que é o da convivência.

Foi o caso da mexicana Minerva Cuevas, que fez sua “residência” em São Paulo. Ela trouxe para o Brasil diversos objetos e criou especialmente uma obra para a mostra. Trata-se de um mural, pintado diretamente na parede da Bienal, com
muitos aviões e a representação de um acidente. Enquanto dava os últimos retoques, Minerva disse a ISTOÉ, referindo-se ao terrível desastre ocorrido recentemente no Mato Grosso, que tudo não passou de uma “infeliz coincidência”. Segundo Cristina Freire, uma das co-curadoras que acompanharam Minerva, a pintora ficara “muito sensibilizada com a falência da Varig”. O seu trabalho é voltado para questões sociais e, apesar da linguagem de comics (quadrinhos), não tem nada de pop. Exemplo disso: as cores que ela utiliza vêm da arte plumária asteca. Já a artista mineira radicada no Rio de Janeiro Laura Lima apresenta a instalação Novos costumes. O visitante tem a sensação de estar em uma loja de roupas, com araras, provadores, espelhos e até mesmo balconistas e caixas. Laura criou vestimentas, adornos, adereços, máscaras, elmos e outros objetos em vinil azulado e transparente que transformam quem os veste em uma espécie de criatura submarina.

Da “loja” de Laura dá para ver a maquete de uma cidade imaginária feita em açúcar e identificar ícones urbanos como o cubo do La Défense parisiense, o Masp paulistano e as hoje lendárias torres gêmeas nova-iorquinas. Seu autor, Meschac Gaba, natural do Benim e radicado na Holanda, batizou-o de Sweetness. Por que açúcar? “As pessoas andam muito amargas”, diz ele. O trabalho foi criado na residência que fez no Recife, e Gaba também participa do espaço dedicado ao artista belga Marcel Broodthaers (1924-1976) criador do “museu fictício” que questionava as noções de representação e coleção, como Oiticica e Barthes. Obras do próprio Broodthaers podem ser vistas em uma seção climatizada ao lado de trabalhos da cubana Ana Mendieta (1948-1985) e dos americanos Gordon Matta-Clark (1943-1978) e Dan Graham – que está vivo e muito criativo: ele criou para a exposição uma escultura representando a assinatura Spirit (a história em quadrinhos criada por Will Eisner nos anos 30) e o seu trabalho está no gramado externo da Bienal.

Entre os trabalhos criados especialmente para a mostra figuram os pratos que o espanhol Antoni Miralda distribuiu para serem devolvidos pintados e serem expostos, além da incrível bolha de PVC inflado, que atravessa os três andares da Bienal. A obra do argentino Thomas Saraceno pode ser visitada por dentro, desde que se tire os sapatos. É uma Bienal que dará o que falar. E em todas as línguas, quer elas convivam ou não harmonicamente fora do espaço da exposição.