Os belos números macroeconômicos que o governo gosta de mostrar quando fala do excelente desempenho da economia brasileira estão demorando a chegar ao bolso da população. A participação dos salários no Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo, despencou de 46% para 35,6% nos últimos dez anos, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). O rendimento médio dos trabalhadores também está longe de recuperar as perdas registradas em 2003, um dos piores anos para o emprego e a renda no País. Apesar do crescimento de 5,2% do PIB (chegou a R$ 1,769 trilhões) e da melhora dos indicadores econômicos no ano passado, o pequeno ganho nos salários em 2004 (1,9%) não foi suficiente para retornar aos níveis de 2002, quando o valor médio chegou a R$ 1.010,35. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2002 e 2004 houve uma redução de 10,8% na média dos rendimentos dos trabalhadores. Só em 2003, o achatamento da renda bateu nos 12,6%.

O dinheiro mais curto na mão dos trabalhadores pode explicar o crescimento do número de cheques devolvidos. Entre 2002 e 2004, o volume de voadores subiu de 13,58 cheques para cada lote de mil compensados para 15,85, segundo a Serasa, empresa de análises e informações de crédito. Segundo Márcio Torres, técnico da empresa, o talão de cheques se transformou no grande instrumento de crédito do comércio e o aumento dos sem fundo é consequência do salário comprimido. “As pessoas não estão conseguindo honrar suas dívidas por falta de dinheiro no final do mês”, diz ele. O empobrecimento dos trabalhadores já havia sido constatado em uma pesquisa do professor Waldir José de Quadros, da Unicamp, que, baseado em dados do IBGE de 2003, mostrou que a classe média brasileira sofreu uma tremenda perda de riqueza, só comparável ao que ocorreu durante o confisco do governo Collor. De acordo com o estudo, a classe média encolheu 14,6% em 2003 em comparação com 2002. Os mais pobres também sofreram. “O problema é que 2003 foi muito ruim. Houve aumento de um ponto porcentual na parcela da população de miseráveis, embora a distribuição de renda tenha melhorado”, explica Marcelo Neri, professor da FGV e especialista no estudo da pobreza. “Há um movimento de achatamento salarial e o perfil dos novos postos de trabalho é de baixo rendimento”, diz Márcio Pochmann, do Instituto de Economia da Unicamp. A prática no mercado de trabalho, explica Pochmann, é substituir um trabalhador com salário alto por dois ou três com salários mais baixos.

Outro dado que mostra a precarização do mercado de trabalho é o porcentual de trabalhadores que ganham um salário mínimo. Hoje, são 30% da população economicamente ativa, estimada em pouco mais de 66 milhões de pessoas. Outros 75% ganham até três salários, de acordo com o Dieese. “O sucesso da política econômica do governo Lula não alterou a rigidez da superexploração da força de trabalho”, diz Nildo Ouriques, economista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele afirma que essa exploração do trabalho é também consequência do atual modelo de economia exportadora, que vê o salário como custo, e não como renda. Nas palavras de Pochmann, é a vitória do padrão de emprego asiático, com jornadas longas, salários reduzidos e alta rotatividade.

Enquanto os trabalhadores vivem na ponta de baixo da gangorra, o mercado financeiro celebra lucros crescentes há pelo menos cinco anos. Grupos exportadores também comemoram os US$ 70,2 bilhões exportados, assim como a Bolsa de Valores de São Paulo, que, depois de quase dobrar seus ganhos em 2003, obteve crescimento de 17,8% no ano passado. A maioria das companhias com ações na Bolsa registrou recordes históricos em lucratividade. Os 18 maiores bancos, por exemplo, quase triplicaram seus lucros nos últimos quatro anos, chegando aos
R$ 13,9 bilhões em 2004. O setor siderúrgico também não deixou por menos: o lucro das 23 companhias com papéis na Bolsa superou os R$ 14 bilhões. O setor industrial é outro que não tem queixas: cresceu 8,3% no ano passado. Mas, para as pequenas indústrias paulistas, o quadro é bem diferente. Levantamento feito pelo Simpi, sindicato que reúne as empresas, 80% das mais de cinco mil companhias no Estado tiveram que correr atrás dos clientes para receber. O formidável PIB de
R$ 1,769 trilhão em 2004 é uma grande novidade na economia, mas, na partilha do bolo, o governo ainda está devendo uma notícia relevante.