Cinco dias após fazer uma cirurgia bariátrica, indicada tradicionalmente para tratar a obesidade mórbida, a paulista Ana Paula Oliveira, 36 anos, ficou livre da diabete tipo 2, doença adquirida ao longo da vida e que atinge cerca de 150 milhões de pessoas no mundo. “Estou curada. Nos últimos dois anos, apesar dos remédios e da dieta, diversas vezes fui para o hospital porque minha glicemia subia acima de 325 mg/dl. Na semana passada, sem medicamentos, meu índice era de 104 mg/dl”, conta. A glicemia representa a quantidade de açúcar circulante no sangue. O limite normal vai até 110 mg/dl. Entre esta taxa e 126 mg/dl considera-se um estado pré-diabético. Acima disso, a medida indica a presença da doença. Nestes casos, a insulina fabricada pelo corpo não é suficiente para promover o aproveitamento da glicose (o combustível humano) pelas células, exatamente o que caracteriza a diabete.

A princípio, pode soar estranho o uso da operação no tratamento da enfermidade. Mas a cirurgia é uma nova estratégia para pacientes mais magros ou com sobrepeso. A indicação deve ser feita por um endocrinologista e segue uma lógica científica. Durante o procedimento, abrevia-se o caminho entre o estômago e o intestino. A meta é evitar que a comida passe pelo duodeno e jejuno (as porções iniciais do intestino delgado), jogando-a na parte final do órgão, o íleo. E é exatamente neste local que ocorre a produção do hormônio GLP-1, o mais importante componente do grupo de incretinas. Trata-se de substâncias fabricadas logo após a alimentação para estimular a produção de insulina.

Apesar de o GLP-1 ser antigo conhecido da medicina, recentemente descobriu-se mais sobre a sua ação, transformando-o num dos principais alvos da indústria de medicamentos. “Além de aumentar a quantidade da insulina, melhora sua eficácia e retarda a passagem da comida pelo íleo. Nos diabéticos tipo 2, os níveis dessa substância são muito baixos”, explica o cirurgião José Carlos Pareja, da Universidade Estadual de Campinas.

A cirurgia, como observaram os médicos, é uma das maneiras de aumentar a produção do GLP-1 e, conseqüentemente, de ajudar no controle da diabete. Inclusive já era um recurso usado para tratar a doença em pacientes com obesidade mórbida. Para os mais magros, a técnica ainda é experimental e adotada apenas nas situações em que o mal não regride com os tratamentos convencionais.

Recentemente, por exemplo, uma equipe de pesquisadores da Unicamp, da qual Pareja faz parte, deu início a um estudo com 12 pacientes com peso normal ou sobrepeso e taxas de glicemia elevadas. Já operou cinco deles desde março. “Os resultados são animadores. Duas pessoas deixaram de tomar insulina, embora ainda usem outros remédios para a diabete”, conta. Os dados conclusivos devem ser divulgados no final deste ano. “Devemos esperar a avaliação das dosagens hormonais dos participantes da pesquisa para validar as conclusões sobre a eficácia real deste procedimento”, esclarece Pareja.

Para ser aplicada nos pacientes magros, o método sofreu modificações. Em vez de reduzir o tamanho do estômago, como ocorre no caso dos obesos mórbidos operados, os médicos encurtam o trajeto entre o órgão e o intestino. Por isso, o recurso só reduz um pouco o apetite. Em geral, há uma perda de peso de 5% cerca de três meses depois da operação.

O cirurgião Almino Ramos, que atende em São Paulo, também participa de estudos sobre o procedimento na Universidade Federal de Pernambuco. Para ele, submeter o paciente à cirurgia se justifica se o caso for de fato complicado. “Quando a diabete responde mal ao tratamento clínico, com o tempo certamente traz sérias consequências para a saúde”, afirma. A médio e longo prazos, a enfermidade descontrolada pode levar à cegueira, à insuficiência renal com necessidade de realização de diálise, amputação de membros, além de multiplicar as chances de problemas cardiovasculares.