Enquanto operavam meu cérebro, saí do corpo e flutuei até perto do teto. Lá de cima eu me vi na mesa de cirurgia. Senti ter morrido.” Esse é o relato de uma paciente inglesa de 43 anos ao seu cirurgião Olaf Blanke, da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, na Suíça. O que parecia uma experiência de quem cruzou a fronteira entre o mundo real e a paranormalidade revelou-se uma das maiores descobertas recentes da neurociência. E ela começou por acidente. Durante a cirurgia, o médico extirpava um pedaço de tecido cerebral da paciente quando um dos eletrodos soltou-se esbarrando na região cerebral que coordena os sentidos e a localização espacial. Foi a partir desse momento, segundo Blanke, que a paciente embarcou na sua “viagem”. Espantosamente, ela descreveu esse momento ao retomar a consciência. Na semana passada, o especialista conseguiu o inusitado: repetiu em laboratório a experiência do além ocorrida na cirurgia ao estimular a mesma região do cérebro (chama-se junção tempoparietal esquerda) de uma paciente de 22 anos.

“Antes de começar, avisei que ela teria visões”, diz Blanke. Não adiantou. A jovem ficou assustada com a “assombração” que passou a atormentá-la repetindo todos os seus movimentos. Alucinações dessa natureza são freqüentes em pscicóticos. Para espanto dos médicos, não existia nenhum histórico de problemas psiquiátricos na paciente. Outra surpresa: ela percebia que o tal espírito repetia os seus movimentos, mas não suspeitava de que poderia ser ela mesma se projetando em uma figura imaginária criada por uma pane cerebral. Há quem diga que esse é um sintoma de esquizofrenia. O que surpreende é que a moça está bem longe desse diagnóstico. “Seu único problema é a epilepsia”, diz Blanke. “E isso não explica as visões, porque os epiléticos não enxergam fantasmas.”

Poucos centros de pesquisa se dedicam ao estudo das pessoas que dizem ouvir vozes e incorporar espíritos, entre tantos outros fenômenos considerados paranormais e extra-sensoriais. E isso não significa que os relatos de indivíduos que dizem se comunicar com o além sejam uma farsa. A ciência ainda caminha a passos lentos nessa área. Boa parte dos centros de pesquisa é financiada por grupos ligados a instituições religiosas e o preconceito dos cientistas aumenta a resistência aos estudos.

Para o neurocirurgião paulista Edson Amâncio, do Hospital Albert Einstein, um dos maiores desafios da neurociência é saber quais são as zonas do cérebro responsáveis pela crença humana. Amâncio diz que sensações relatadas em rituais de fé, como a levitação, são induzidas com estímulos no lobo temporal. Poderia um “curto-circuito” nas redes neurais que parecem governar a fé desencadear uma experiência sobrenatural? É isso o que doutor Blanke tenta desvendar.