O assassinato da missionária americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, em Anapu (PA),
na região da rodovia Transamazônica, em 12 de fevereiro, foi desvendado pelo conteúdo de um bilhete manuscrito por Vander Paixão Bastos de Moura, ditado por Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, preso na semana passada e apontado como mandante do crime. Negando envolvimento na morte da religiosa, Bida, ao depor à Polícia Federal, foi surpreendido com a apresentação de uma prova cabal: um bilhete no qual ele mesmo confirmava a existência de um consórcio entre fazendeiros e posseiros para pagar as despesas com pistoleiros para o assassinato da irmã Dorothy.

Como ISTOÉ revelou com exclusividade na edição 1845, o consórcio tem como integrantes fazendeiros ligados às fraudes cometidas com incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), velhos conhecidos da Polícia Federal e do Ministério Público. O bilhete revela toda a trama que culminou com o brutal assassinato da freira, crime que chocou o mundo, e dá os nomes dos envolvidos no esquema criminoso. Dominguinho, que trabalha na fazenda do grileiro José Ricardo, localizada no lote 56 em Anapu, teria recebido R$ 20 mil por sua participação no assassinato. Amair Feijoli da Cunha, o Tato, preso como intermediário do crime, teria recebido em pagamento 30 alqueires de terra.

O patrocinador do crime hediondo seria o fazendeiro Luiz Ungaratti, dono de uma laminadora na saída da cidade de Anapu e um velho inimigo da freira Dorothy Stang. Em 2001, Ungaratti expulsou 38 famílias do lote 53 – onde irmã Dorothy implantava seu Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) – com pistoleiros fortemente armados e imediatamente jogou capim nas roças. O bilhete foi apreendido na casa de Bida durante buscas da Polícia Federal em conjunto com uma comissão de seis senadores, presidida por Ana Júlia Carepa (PT-PA) e Demósthenes Torres (PFL-GO), encarregados de acompanhar a investigação. O texto do bilhete deixa claro que também um delegado da Polícia Civil do Pará estaria recebendo dinheiro para dar apoio à fazenda de Ungaratti. Em seu depoimento, Bida confessa que soube por seu irmão Vander que a mulher de Tato, Elizabete, havia pedido R$ 400 mil, que supôs ser referente à devolução do dinheiro que Tato havia pago a ele, Bida, pela aquisição de terras na região de Anapu.

Máfia da Sudam – Em seu depoimento, Vitalmiro Bastos de Moura conta como adquiriu uma área de três mil hectares na gleba Bacajá, em Anapu, por R$ 600 mil. “Na época, o gerente da área era o senhor Dominguinho, que trabalhava para Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão”, detalha Bida, lembrando que em outra oportunidade Dominguinho havia prestado serviços para o fazendeiro Délio Fernandes Neto. Após a morte da religiosa, Vitalmiro esteve na fazenda de Délio, onde usou o telefone, ligando para sua mulher em Altamira, a quem solicitou um carro para apanhá-lo cedo na fazenda de Délio.

Délio Fernandes Neto e Regivaldo Galvão são velhos integrantes da chamada máfia da Sudam. Foram indiciados pela Polícia Federal e denunciados à Justiça pelo Ministério Público Federal por surrupiarem recursos públicos dos cofres da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, desviando recursos do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (Finam). Segundo os sete procuradores da República que investigaram a fraude, cerca de R$ 132 milhões foram desviados pela quadrilha, que teria como um dos chefes o hoje deputado federal Jader Barbalho.

O envolvimento de políticos poderosos no esquema fraudulento da Sudam tem impedido que se aprofundem as investigações sobre o caso. Três anos depois das denúncias feitas pelo Ministério Público, todos os indiciados no escândalo estão soltos. A participação de alguns deles em grilagem de terra na região da Transamazônica e em assassinatos de trabalhadores rurais – e mesmo da missionária Dorothy Stang – revela que a impunidade só impulsiona novos esquemas criminosos.

Délio Fernandes Neto, que até hoje responde aos processos em liberdade, invadiu os lotes 56 e 58, de três mil hectares cada, da gleba Bacajá, onde promoveu corte raso e queimou cerca de dois hectares de terra, transformando a floresta tropical em pasto para gado. Também fez novas derrubadas nos lotes 59 e 60, com cerca de 1.500 hectares. Já em 2003, invadiu os lotes 61 e 62 e derrubou outros dois mil hectares, fazendo corte raso e promovendo gigantescas queimadas na região.

Regivaldo Galvão teria vendido lotes de terras griladas para Bida. O relatório cita ainda o fazendeiro Danny Gutzeit, que em novembro de 1999 teria comandado 50 pistoleiros armados, expulsando 40 posseiros dos lotes 126 e 128 da gleba Belo Monte. Gutzeit foi preso pela PF por cometer fraudes na Sudam, mas ao ser libertado fugiu para a Suíça, beneficiando-se por ter dupla nacionalidade.

A apuração rigorosa do envolvimento de outros fazendeiros, além de Bida, na morte de irmã Dorothy Stang também foi pedida no relatório da Comissão Externa do Senado que acompanhou as investigações sobre o assassinato da religiosa. Os senadores exigem que as polícias federal e estadual investiguem com profundidade a participação de fazendeiros e grileiros de terra na morte da missionária.