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Naquela manhã de 12 de abril de 1936 o Aeroporto de Congonhas nascia no meio de um matagal na zona sul de São Paulo para atender a uma emergência. A enchente do rio Tietê alagava, havia meses, o Campo de Marte, na zona norte. Congonhas foi uma medida provisória que se tornou definitiva. Sete décadas depois, em 2004, quando Congonhas já havia sido engolido pela cidade, começaria a primeira grande obra de ampliação. Era conseqüência da série de derrapagens de aeronaves. A perícia constatou que a pista principal estava inclinada, parecia um V acumulando água no centro. Três anos depois e R$ 150 milhões investidos, Congonhas ficou lindo. Desde maio último, tem novas áreas para passageiros, um edifício-garagem, um pequeno shopping center onde há até joalheria. Só não haviam reformado a pista, cada vez com menos aderência e mais perigosa. Esse pequeno detalhe, a pista perigosa, só mereceu atenção há um mês, em meio a uma das muitas crises do apagão aéreo. A nova pista foi entregue em 29 de junho, antes do início do Pan.

"Congonhas era um acidente anunciado oito meses atrás", diz o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União, que decidiu fazer uma auditoria nas obras da Infraero, a estatal dos aeroportos. "Ficou claro e evidente que, no caso de Congonhas, foi feito um embelezamento antes da prevenção." O professor Eduardo Leal Medeiros, da USP, faz coro: "É uma lástima a mentalidade de fazer shopping center em aeroportos, enquanto a segurança deveria vir antes de tudo." Desde o início dos trabalhos, as autoridades cometeram uma sucessão de trapalhadas. Quando se decidiu fazer a reforma da pista, lá em 2004, era uma emergência. A diretora de engenharia da Infraero, Eleuza Terezinha Lores, apresentou uma proposta inusitada. Em vez de fazer licitação, faria um aditivo no contrato de uma empreiteira que já estava reformando o estacionamento de aviões. O Conselho Diretor exigiu licitação. De lá para cá, Eleuza tentou três vezes, mas as tentativas foram todas impugnadas pelo TCU ou pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), sob acusação de serem irregulares. Em junho, por ordem do comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, as obras finalmente começaram. A pista não deveria ter sido inaugurada dia 29. Os técnicos da Infraero e da Anac defendiam que a pista ficasse interditada mais 30 dias para que fosse feito o grooving. Mas companhias aéreas, mais uma vez, pressionaram para que a pista fosse aberta antes da alta temporada de julho – ainda mais com o Pan. "Não estou agüentando as pressões das companhias", queixouse Milton Zuanazzi, presidente da Anac.

 

 

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O excedente de passageiros em Congonhas já supera em 50% a sua capacidade. Este ano, 19 milhões de passageiros deverão embarcar nesse pedacinho de São Paulo. Até o acidente da TAM, eram 700 pousos e decolagens diários, o que o transformava no aeroporto mais movimentado do País – e o mais movimentado dos aeroportos centrais do mundo. Além do tal grooving, Congonhas precisa ainda de muitas correções para ficar no ponto ideal de segurança. Para começar, uma reforma no pátio de aviões, hoje cheio de rachaduras. O principal é a proibição de pousos de aviões de grande porte. A pista, de 1.900 metros, só comporta aviões de até 120 passageiros. "É criminoso permitir em Congonhas aviões com 170 lugares", diz um ministro do Superior Tribunal Militar. Uma alternativa para ampliar a segurança de pouso das grandes aeronaves seria aumentar a pista em 300 metros. Mas isso custaria muitas desapropriações nos bairros vizinhos. A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, confirmou na sexta-feira 20 que São Paulo deverá contar com um novo aeroporto.

Não só Congonhas vive no limite. No Santos Dumont, do Rio, um dia antes da tragédia do vôo 3054, passageiros se assustaram com um incêndio que atingiu as obras do novo terminal. Foi como um alerta. Por todo o País, passageiros estão a se perguntar: é seguro voar de avião? Em Congonhas, a despeito da catástrofe, horas depois, o aeroporto era liberado para pousos e decolagens com aviões partindo sobre a montanha de escombros e corpos carbonizados. Quase ninguém reclamou. A Rede Record fez um editorial em que anunciou a decisão de não deixar seus profissionais utilizarem o aeroporto até que tudo seja esclarecido.