Mais de 50 anos atrás, em 1965, o americano Gordon Moore fez uma previsão que causou espanto em um mundo no qual computadores com capacidade de processamento menor do que qualquer calculadora moderna tinham o tamanho de uma grande sala. Fundador da fabricante de microprocessadores Intel, ele estimou que a cada 18 meses a indústria produziria chips duas vezes mais potentes, gerando um desenvolvimento exponencial naquilo que, em tempos remotos, chamávamos de informática. Visionário, indicou com a chamada Lei de Moore um ritmo de evolução que se mostrou quase preciso – e que nos levou ao cenário incrivelmente conectado e dominado pelos processadores com os quais convivemos hoje. Aos 87 anos, Moore certamente deve estar assombrado com a incrível aceleração dos avanços tecnológicos permitidos pela capacidade de pensar que os mais simples aparelhos têm atualmente. É impossível, mesmo para futurólogos e especialistas, manter-se atualizado. O que dirá para quem milita em áreas que estão na periferia desse universo.

A Justiça, por exemplo, é mais habituada a olhar para trás. Presa em seus códigos, reage com lentidão e, quando muito, adapta-se a mudanças que a sociedade experimenta. E tudo tem mudado muito rápido. Juízes são, quase sempre, generalistas e decidem a partir do que foi escrito décadas antes de seu tempo. Por mais justos que sejam, acabam amarrados ao passado. Foi assim que agiu o titular da Vara Criminal da comarca do município de Lagarto, em Sergipe, Marcel Maia Montalvão, ao decretar o bloqueio, em todo o País, do aplicativo de mensagens WhatsApp. Seu intento era justo: buscar na comunicação de um suposto traficante com seus clientes provas para condenar o criminoso.

Na falta de legislação apropriada para tratar de novos meios de comunicação, Montalvão aplicou uma medida extrema, a Lei de Lagarto. A direção do WhatsApp afirma não ter arquivos das conversações dos usuários e, por isso, está impossibilitada de entregar ao juiz esse conteúdo. Sem ter conhecimento preciso da tecnologia por trás do aplicativo, o juiz então decidiu não apenas contra um suposto malfeitor, mas contra mais de 100 milhões de usuários do serviço no Brasil – decisão revogada um dia depois pelo Tribunal de Justiça do Estado. Agiu como se tivesse mandado cortar toda a telefonia do País porque não teve acesso a uma ligação específica entre dois investigados. Mais correto seria ter-se cercado de informação técnica para ter certeza se a versão do WhatsApp de que não armazena as conversas é verdadeira ou falsa e, então, tomar uma decisão, talvez alternativa. Como ocorre na telefonia, não seria possível decretar um “grampo” na correspondência eletrônica do acusado?

Recentemente, nos Estados Unidos, o FBI tentou obter com a Apple os códigos necessários para desbloquear o iPhone de um terrorista. A empresa, em nome do direito à privacidade de seus clientes, negou-se a entregar. A Justiça americana não mandou a Apple deixar de vender aparelhos. Também não exigiu que se desconectassem todos os usuários de iPhone. Em vez disso, os policiais americanos usaram o melhor da tecnologia para conseguirem, eles mesmos, acesso às informações desejadas. Polícia e Justiça não podem temer avanços nem impedir que eles ocorram, revogando a Lei de Moore. Precisam entendê-los, criar áreas especiais para tratar com eles e, sobretudo, agir com bom senso – como ensina, por exemplo, o direito consuetudinário. Se para condenar um culpado é preciso tirar a liberdade de um inocente, então é melhor não agir. A liberdade é a regra, deve sempre prevalecer.

*Diretor de Mídias Digitais e Projetos da Editora Três