No apagar das luzes do seu mandato, a presidente Dilma Rousseff deixou um verdadeiro campo minado para o sucessor, ao anunciar um pacote de medidas econômicas que impactarão o Orçamento em pelo menos R$ 10 bilhões – podendo chegar a R$ 14 bilhões. Trata-se de uma bomba fiscal a ser administrada pelo futuro governo.

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O discurso encampado por Dilma para justificar a criação de novas dívidas é o de que as conquistas sociais obtidas durante governos petistas estariam ameaçadas pela gestão do vice Michel Temer. É uma falácia. Na realidade, semanas antes do agravamento da crise política, a maioria dos programas sociais já sofria com a tesourada do PT, em nome do ajuste fiscal. O Minha Casa Minha Vida, por exemplo, teve uma queda real de 74% entre a dotação de 2015 e 2016, segundo dados do Siafi levantados pela Assessoria de Orçamento do DEM. Nas creches, a situação é ainda mais grave. Os valores previstos em 2016 eram 87% inferiores aos de 2015 – saindo de R$ 4,2 bilhões para R$ 502 milhões. Bandeiras da chamada Pátria Educadora, os programas Ciência Sem Fronteiras, Pronatec, Prouni e Fies sofreram cortes reais de 62%, 59%, 18% e 5%, respectivamente. O mesmo vale para a Reforma Agrária, que observou uma redução de 29% entre 2015 e 2016, e para iniciativas como as Unidades Básicas de Saúde e o programa de enfrentamento ao crack, que diminuíram 24% e 50% respectivamente.

Entre as bombas deixadas por Dilma pelo caminho está o reajuste de 9% no Bolsa Família. Os valores do programa não eram atualizados desde maio de 2014. À ISTOÉ, o Ministério do Desenvolvimento Social informou que o cálculo sobre o impacto total do reajuste para 2016 e 2017 “só estará disponível após a publicação do decreto”, a ser lançado nos próximos dias. Segundo economistas ouvidos pela Revista, caso sejam mantidos o número e o perfil dos beneficiários, o reajuste pode gerar despesas extras de pelo menos R$ 1,7 bilhão até 2017. Para o ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo Freitas, o aumento no Bolsa Família foi uma “canalhice”: “Dilma quer sabotar o novo governo sem vergonha alguma. É uma coisa horrorosa. Nunca vimos nada igual no País. Ela quer ver o colapso”, afirmou. Entre os aliados de Temer, o anúncio foi visto como oportunista. Para o senador Romero Jucá (PMDB-RR), cotado para assumir o Ministério do Planejamento, as medidas divulgadas são “uma tentativa de desequilibrar ainda mais o orçamento público”. O ex-ministro de Dilma e presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Moreira Franco (PMDB-RJ), classificou as propostas de “manipulação e propaganda enganosa”. “Em vez de cortar gasto, o governo está aumentando a despesa. Resultado: mais desemprego e inflação”, afirmou.

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Para economistas, no entanto, a medida que mais irá impactar no orçamento público é o reajuste de 5.6% na tabela do Imposto de Renda para pessoas físicas. A correção deve reduzir em R$ 5 bilhões a arrecadação de 2017 e, caso aprovada pelo Congresso, passaria a valer a partir do ano que vem. Oficialmente, o Ministério da Fazenda diz que só comentará o assunto após a edição do texto que será encaminhado ao Congresso. Vale lembrar que Dilma recusou-se a corrigir a tabela do IR no final do ano – apesar da defasagem de mais de 70% frente à inflação – para não impactar nas suas contas. Agora, como o problema passa a não ser mais dela, a presidente faz populismo barato com o Orçamento alheio. Outra grande preocupação é a Medida Provisória anunciada para reajustar o salário de auditores da receita federal em 21,3%, no prazo de quatro anos, com direito a bônus de produtividade. Na contramão do ajuste fiscal, o acordo com a categoria foi fechado no final de abril e o bônus beneficiará até mesmo servidores aposentados, ainda que com uma porcentagem reduzida a 35% do bônus devido aos ativos. A partir de 2017, o benefício deve ser vinculado a metas de desempenho e produtividade. O acordo também prevê um reajuste da remuneração básica de 21,3% em quatro anos. Internamente, o Planejamento resistia à medida, mas teve de ceder. De acordo com o Ministério da Fazenda, o impacto da medida em 2016 será de 600 milhões e, no ano seguinte, de 1,5 bilhão.

Nos últimos dias, o governo formalizou ainda o aumento nos subsídios do Plano Safra, em R$ 1 bilhão. Segundo o Ministério da Agricultura, o Plano Agrícola e Pecuário disponibilizará um crédito recorde de R$ 202,8 para empresários rurais, neste ano, com um reajuste de 8% em relação ao ano passado. Deste total, cerca de R$ 6,2 bilhões são equalizados pelo Tesouro Nacional, pela subvenção da safra (diferença entre taxa de juros paga pelo produtor rural e a cobrada pelos bancos).

Com o pretenso argumento de que pretende preservar o andamento da Operação Lava Jato durante o afastamento de Dilma, o ministro da Justiça, Eugênio Aragão, antecipou na última segunda-feira 2 a liberação dos R$ 160 milhões restantes do orçamento da Polícia Federal para este ano. Segundo o Ministério, os outros R$ 840 milhões destinados à corporação em 2016 já haviam sido liberados. Enquanto pode, o governo federal privilegia também alguns de seus aliados. Apesar da contenção de gastos oficial, o Planalto liberou semana passada R$ 619 milhões para as obras do Cinturão das Águas do Ceará, estado governado pelo petista Camilo Santana. A maior petulância, no entanto, de um governo perto do adeus veio da área da publicidade. Nada menos do que R$ 100 milhões foram liberados para aquinhoar, principalmente, os chamados blogs petistas, que participam da guerrilha digital na internet. O crédito extra, destinado a municiar com verbas os ativistas pró-PT durante o período em que Dilma estiver afastada, foi liminarmente suspenso pelo ministro STF, Gilmar Mendes.