O primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, tem vivido dias turbulentos. Tudo começou com a revelação de que seu pai, Ian, morto em 2010, foi diretor de um fundo de investimento chamado Blairmore Holdings, sediado no paraíso fiscal das Bahamas, e que serviria apenas para driblar impostos cobrados na Inglaterra. A informação surgiu com o vazamento de 11,5 milhões de documentos da consultoria panamenha Mossack Fonseca sobre 214 mil empresas que operam em paraísos fiscais, os chamados “Panama Papers”. Conhecidas como offshores, essas companhias são usadas, em muitos casos, para promover atividades ilegais, como sonegação e lavagem de dinheiro. Por enquanto, nenhum negócio ilícito foi efetivamente encontrado, mas Cameron deu respostas evasivas às dúvidas que pairavam sobre a operação de sua família, dizendo se tratar de “assuntos particulares.”

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SOB PRESSÃO
O líder britânico e manifestantes: oposição quer a sua renúncia

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A hesitação de Cameron trouxe mais desconfianças. Ao ser questionado por um repórter em um evento público, o primeiro-ministro declarou, sempre no tempo presente: “Não possuo ações [da empresa Blairmore], nem fundos offshores, nada disso”. Ele não mencionou, no entanto, que no passado já havia sido dono de papéis da companhia no valor de 31,5 mil libras, equivalentes a mais R$ 150 mil, vendidos em 2010, às vésperas de sua eleição ao posto máximo do país. Para demonstrar transparência, Cameron abriu suas finanças de 2009 em diante, e acabou sendo criticado por receber 200 mil libras (quase R$ 1 milhão) da mãe, numa manobra (legal) para contornar impostos de herança logo após a morte do pai. Não ajudou em nada o fato de, ao mesmo tempo, vir à tona que sua mulher, Samantha, contratou como consultora de moda uma ex-modelo a um custo de 53 mil libras (R$ 263 mil) aos cofres públicos.

As denúncias inflamaram a oposição do Partido Trabalhista e levaram milhares de pessoas às ruas de Londres para pedir a renúncia do chefe da nação. A pressão acontece em um momento delicado, às vésperas da votação sobre o futuro do Reino Unido na União Europeia, em que o próprio Partido Conservador do premiê está dividido. Para piorar, uma pesquisa recente mostrou que, pela primeira vez, a taxa de aprovação do oposicionista Jeremy Corbyn superou à do primeiro-ministro. Um dos mais jovens premiês da história do Reino Unido (assumiu o posto em 2010, quando tinha penas 43 anos), Cameron despontou com o apelo da renovação em uma sociedade marcada por certo repúdio a líderes muito novos. Os recentes acontecimentos, porém, mostram que o primeiro-ministro não só manchou a sua reputação como colocou em risco a própria sobrevivência política.

Fotos: AP Photo/Kirsty Wigglesworth; Tolga Akmen/Anadolu Agency