A presidente Dilma Rousseff atravessou os 16 meses de seu segundo mandato como se pilotasse um trem desgovernado. Em todas as áreas da administração adotou políticas erráticas, repetiu o trágico equívoco do excesso de centralização e não delegou decisões. As linhas da política econômica, estas sim que deveriam permanecer sólidas e intactas, sobretudo no que tange aos ajustes necessários para disciplinar as combalidas contas públicas, mudaram repetidas vezes ao sabor de palpiteiros. Na política, Dilma negligenciou a relação com o Congresso e não conseguiu aprovar prometidas reformas ou projetos capazes de tirar o País da profunda crise em que se encontra. Seu discurso de presidente reeleita ressaltou a importância do “diálogo”, inclusive com a oposição, mas Dilma falhou até mesmo dentro de casa: não conseguiu afinar a sintonia nem no próprio governo. O resultado é um País que espelha a sua governante: sem rumo, sustentação e inerte ante o abismo que se aproxima. Ciente deste cenário, o vice-presidente Michel Temer passou os dias que antecederam a votação do impeachment tentando mostrar que está empenhado em agir de modo diametralmente oposto. Ou seja, para que a máxima de Tomasi di Lampedusa, em “O Leopardo”, não seja consagrada novamente no País, qual seja: “A de que algo deve mudar para que tudo continue como está”.

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Depois do vazamento de um áudio em que fala ao PIB, aos eleitores e ao
Congresso, Temer detalhou em entrevista seu plano para o Brasil

A interlocutores, disse que, sacramentado o afastamento de Dilma, promoverá mudanças no Ministério, e anunciará medidas de impacto para mostrar serviço logo nas primeiras semanas. O vice sabe que, ao contrário de um chefe do Executivo recém-eleito, sua lua de mel com a população será curtíssima, o que exigirá dele muito jogo de cintura política e ações urgentes para reaquecer a economia e livrar o País da crise de confiança e da paralisia. “Ele terá 72 horas para dizer a que veio”, disse um assessor próximo. Uma de suas primeiras iniciativas pode ser a redução no número de ministérios, com a fusão de pastas, uma bandeira empunhada por setores da oposição. Outra é mudar a configuração atual da Esplanada, nomeando para os principais ministérios uma equipe de notáveis.

Na terça-feira 12, Temer deixou vazar – inadvertidamente ou não – um áudio de 13 minutos em que discorre sobre como pretende governar o País caso a presidente Dilma Rousseff seja deposta pelo Congresso Nacional. De acordo com a assessoria do vice, ele estava ensaiando um discurso para distribuir à imprensa depois da votação do impeachment neste domingo 17, mas se confundiu. Em vez de encaminhar para um auxiliar, enviou para um grupo de deputados do PMDB, que imediatamente disseminou o conteúdo. O meio político não comprou a tese “vazamento não intencional”. Pelo sim ou pelo não, as palavras de Temer, endossadas por ele mesmo em entrevistas subseqüentes, acabaram servindo para tranqüilizar o empresariado, confortar o deputado indeciso, em relação à votação do impeachment, e transmitir ao menos um fio de esperança à população, ao mostrar que ele tem um plano para tentar tirar o Brasil do fundo do poço.

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COSTURAS POLÍTICAS
O senador Romero Jucá (PMDB-RR) se consolidou, nos últimos
dias, com o principal articulador político de Temer

Tanto no áudio como nas entrevistas concedidas a posteriori, Temer disse que pretende fazer tudo o que Dilma não fez: pacificar e reunificar as forças políticas e, por meio de diálogo, promover um “governo de salvação nacional”. Para tanto, prometeu conversar incessantemente com “todos os partidos políticos”. Assim sendo, ao Congresso será dispensado tratamento bem diferente daquele recebido nos últimos anos, sob Dilma. A ideia de Temer, que foi deputado por dois mandados e presidiu a Câmara por três vezes, é num governo de concertação fazer visitas pessoalmente ao Parlamento e deixar as portas de seu gabinete escancaradas a políticos de todos os matizes. Isso pôde ser observado já na última semana, quando o Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência, foi invadido por uma romaria de parlamentares. Os encontros foram costurados por Temer e pelo senador Romero Jucá, principal articulador político do vice.

No mesmo dia em que o PP decidiu deixar o governo Dilma, integrantes da legenda participaram de encontro no Jaburu que também contou com a presença de representantes do PR, PSD e do PMDB, partido liderado por Temer. “Muitos deputados estavam lá. Teve até congestionamento para entrar, uma loucura”, afirmou o deputado José Priante (PMDB-PA). Um parlamentar chegou a brincar que, em apenas um dia, Temer falou com mais políticos do que Dilma em todo o mandato.

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Além de mudar o modo de governar e a relação com o Congresso e partidos, Temer promete colocar a mão na massa para fazer deslanchar projetos importantes para o andamento do País que estão travados no Legislativo. A auxiliares e correligionários, nos últimos dias, entre eles o ex-ministro Moreira Franco, cotado para assumir uma pasta no Planalto, o vice encomendou um mapeamento sobre todas as reformas em tramitação no Congresso. Suas prioridades serão as reformas política, tributária e previdenciária. Mas, deixa claro, para não assustar a população: “Toda e qualquer reforma não alterará os direitos já adquiridos dos cidadãos (…) queremos ter uma base parlamentar que nos permita conversar com a classe política e com a sociedade”.

Outra preocupação demonstrada por Temer é o fortalecimento dos Estados e municípios que hoje passam enormes dificuldades. Neste ano, o vice percorreu o Brasil para debater a questão. Caso assuma a Presidência, pretende anunciar uma revisão no pacto federativo: “Há estudo de um eventual perdão de parte das dívidas e até uma revisão dos juros que são pagos pelas unidades federadas. Vamos levar isso adiante. A força da união deriva da força dos estados e dos municípios”.

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PERSPECTIVA DE PODER
Na última semana, o Palácio do Jaburu, sede da vice-presidência, foi
invadido por dezenas de parlamentares interessados
em estreitar laços com o vice Michel Temer

Com seus movimentos, na última semana, Temer conseguiu ser bem-sucedido em pelo menos um objetivo: o de entusiasmar os empresários dos mais diferentes setores, como industrial, de serviços e agropecuário. Mas precisará ir além da retórica, se quiser lograr êxito como presidente. Nos últimos meses, Temer reuniu-se sistematicamente com os setores produtivos. Ouviu queixas e anotou sugestões. Se assumir, já terá em mãos o roteiro indicando quais caminhos tomar. E precisará trilhá-los. Com a celeridade e a urgência impostas pelo momento crucial por que passa o País.

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EXECUTIVO
O ex-ministro Moreira Franco, um dos homens de Temer,
está cotado para assumir pasta na Esplanada