Se há quem entende de muro que não dá para pular nem ultrapassar, esse alguém é presidiário. Ah, eles entendem também, como poucos, daquilo que se chama “linha do perigo” ou “linha de tiro” – trata-se de um espaço, um vão, entre dois muros paralelos e pelo qual circulam guardas bem treinados. Por essas e outras, a presidente Dilma Rousseff não poderia ter contado com melhor mão de obra do que aquela que foi escalada para construir o muro que separa, nesse final de semana, os manifestantes favoráveis ao impeachment, daqueles que ainda defendem o governo atual: a mão de obra carcerária. Sob exagerado aparato policial de segurança e tostando ao sol de 35 graus dos implacáveis trópicos (vai saber se eles não torcem pelo impeachment?), os presos cumpriram à risca as ordens da Presidência da República: montaram os muros e barreiras e deixaram entre eles o vão (a tal “linha de perigo”) no qual cerca de seis mil policiais ficarão postados de frente para o povo que se agrupar nas cercanias do Museu Nacional – ponto de concentração dos que querem Dilma apeada do poder.

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BRASÍLIA
Presidiários montam a ”cortina de ferro” para separar os que são
pró e contra o impeachment: total arbitrariedade de Dilma

Dilma gosta de muros, e aí vai um componente estrutural de sua formação política autocrática. E arbitrária. Houve ditadores militares (graças a Deus se foram para nunca mais voltar) que falavam a coisa na lata. O general João Figueiredo, por exemplo, disse preferir o cheiro de cavalo e de estrabaria ao cheiro do povo. Dilma também não gosta do contato com o povo, a não ser que seja gente a aplaudi-la, mas convenhamos que isso é de muita arbitrariedade – aquilo que o psiquiatra e psicanalista francês Jacques Lacan (o melhor de todos) qualificaria de puro narcisismo. A Praça dos Três Poderes que ela interditou, a Praça (com licença de Castro Alves), a Praça é do povo!

Dilma, com seus muros, retalhou os jardins diante do Palácio do Planalto, retalhou a Esplanada dos Ministérios, retalhou em linha reta da estação rodoviária até o centro do poder – pobres Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, com certeza não descansam em paz com as intervenções nada artística da presidente. E quem não se lembra do muro, também de metal, que ela mandou erguer nas comemorações do Sete de Setembro do ano passado, para ficar longe do povo e evitar manifestações contrárias? Tanto fez que acabou emparedando os chefes das Forças Armadas que se viram espremidos e ocultos, espiando por sobre o muro, em seus lugares vips de lata.

Pediu-se licença ao poeta, pede-se agora licença ao genial escritor Ignácio de Loyola Brandão e sua obra “O verde violentou o muro”, na qual ele mostra, como ninguém, as duas Alemanha que se uniram e vicejaram após a queda do muro de Berlim (verde, no livro, é o Partido Verde da Alemanha em sua luta de paz contra a divisão do território). O muro que dividia o país nos anos de “Guerra Fria” era chamado de “muro da vergonha” e “cortina de ferro”, e nunca se viu alguém que vivia na Alemanha, livre, querer transpor o muro e ir para a Alemanha dominada pela súcia comunista – o contrário se via sempre, e a maioria dos que buscavam a liberdade, longe da arbitrariedade, eram barbaramente reprimidos pelos guardas que ficavam no vão do muro (lembram dessa expressão no início desse ensaio?). A cortina de ferro e da vergonha a impedir que o povo festeje à vontade no dia do impeachment destrói uma cidade (Brasília), envergonha uma Nação (Brasil), enxovalha um povo (brasileiro). Sim, “Andrada” arrancaria “o pendão dos ares, Colombo” fecharia “a porta de seus mares”. Dilma inverteu Brandão, no caso dela o muro violenta o verde. No Sete de Setembro, o criativo povo descobriu que da lataria do muro saía som de panela batendo. Vai ser igual agora.

Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE