No início da semana passada, em um quarto de hotel transformado em QG para arregimentar deputados contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esbanjava confiança. Afirmava para quem quisesse ouvir que aquele “escritório” era um improviso temporário e que na quinta-feira 7 iria assumir o controle da Casa Civil, no Palácio do Planalto. Assim, ousava “decretar” a cassação da medida proferida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, que em março impediu sua posse. Na quinta-feira 7, porém, nem tudo saiu como o ex-presidente previa. Depois de depor por cerca de duas horas diante dos procuradores da operação Lava Jato, Lula tomou conhecimento de que o procurador geral da República, Rodrigo Janot, recomendara ao Supremo Tribunal Federal a anulação definitiva do ato que o nomeou ministro e que permanece suspenso pela Justiça. Segundo Janot, a presidente Dilma incorreu em “desvio de finalidade” na nomeação de Lula. De acordo com o procurador, há provas de que o objetivo de Dilma e Lula foi “tumultuar a Lava Jato”, o que, segundo juristas ouvidos por ISTOÉ, pode ser caracterizado como crime de obstrução da Justiça.

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OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA
A presidente Dilma deverá ser investigada por causa da nomeação de Lula como ministro

Com o parecer do procurador geral, a decisão sobre a possibilidade de Lula vir a ser ministro deverá ser levada ao plenário do STF. Mais que isso, o documento encaminhado por Janot não deixa dúvidas de que nos próximos dias a Procuradoria Geral da República deverá pedir ao Supremo que seja investigada a presidente Dilma Rousseff. Com base nas gravações de telefonemas autorizadas e divulgadas pelo juiz Sérgio Moro e na sucessão de fatos ocorridos em torno da nomeação de Lula, Janot entendeu que houve “uma atuação fortemente inusual” no procedimento da presidente Dilma. “O momento da nomeação, a inesperada antecipação da posse e a circunstância muito incomun da remessa de um termo de posse não havida à sua residência reforçam a percepção de desvio de finalidade”, disse Janot em seu despacho ao STF. Trata-se de uma referência do procurador geral ao diálogo mantido entre a presidente e Lula na véspera da posse. Na conversa, Dilma que comunica que está encaminhando a Lula um Termo de Posse para “ser usado em caso de necessidade”. Com esse documento o ex-presidente poderia escapar de ação do juiz Sérgio Moro, pois uma vez ministro teria direito a foro privilegiado.

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DESVIO DE FINALIDADE
Janot diz que escolha de Lula como ministro foi feita com o
objetivo de livrar o ex-presidente do raio de ação do juiz Sérgio Moro

No mesmo dia em que telefonou para Lula para avisar que estava lhe mandando o documento, Dilma antecipou a publicação do Diário Oficial e também a data para a efetiva posse de Lula no cargo. Para Janot, todos esses movimentos indicam que o governo agiu para atrapalhar a ação da Justiça, protegendo Lula do raio de ação da Lava Jato e do juízo de primeira instância, onde o ex-presidente é alvo de investigações sob a acusação de ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro. “O decreto de nomeação, sob ótica apenas formal, não contém vício. Reveste-se de aparência de legalidade. Há, contudo, que se verificar se o ato administrativo foi praticado com desvio de finalidade – já que esse é o fundamento central das impetrações –, e ato maculado por desvio de poder quase sempre ostenta aparência de legalidade, pois o desvio opera por dissimulação das reais intenções do agente que o pratica”, diz o procurador no documento encaminhado do STF.

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No texto encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, Janot revela estar convencido de que há uma ação orquestrada do governo para interferir e dificultar as investigações da operação lava Jato. Segundo o procurador, as conversas telefônicas que fazem parte do processo apontam que o pedido de prisão do ex-presidente (feito pelo Ministério Público de São Paulo no processo que investiga a propriedade de um tríplex no Guaruja) e sua condução coercitiva (determinada pelo juiz Sérgio Moro no processo da Lava Jato) “provocaram forte apreensão no núcleo do governo e geraram variadas iniciativas com a finalidade de prejudica-las (a operação Lava Jato)”. “A nomeação e a posse do ex-presidente foram mais uma dessas iniciativas, praticadas com a intenção, sem prejuízo de outras potencialmente legítimas, de afetar a competência do juízo de primeiro grau e tumultuar o andamento das investigações criminais no caso Lava Jato”, diz o documento.

Fotos: Alan Marques/Folhapress; Ed Ferreira/Folhapress