Ministro do Supremo Tribunal Federal, senhor Marco Aurélio Mello. O senhor declarou na semana passada que o impeachment da presidente Dilma Rousseff, “sem fato jurídico” (entenda-se crime), “transparece como golpe”. Essa fala, senhor ministro, no momento em que já estava superado o bordão petista de que “impeachment é golpe”, corre sério risco de vir mais para confundir, menos para esclarecer – tanto que saltou imediatamente na quarta-feira 30 para o discurso de Dilma. Alguns de seus colegas de Corte, entre os quais os ministros Celso de Mello (decano), Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, todos eles já reiteraram que não se trata de golpe porque o impeachment está previsto na Constituição do Brasil e tudo está se desenrolando de acordo com o rito estabelecido pelo próprio STF. A questão do golpe, portanto, estava completamente superada e relegada a petistas favoráveis a permanência da presidente. Mas, para filiados radicais do partido, o que vale é ideologia, não o Direito Constitucional que o senhor e seus colegas de Corte defendem.

Na verdade, a questão não é mais o raciocínio equivocado de o impeachment transparecer como golpe se não houver crime, porque crimes existem – e de sobra. E, se ainda não passaram pelo crivo do Congresso, estão provados no maior de todos os tribunais, senhor ministro: o tribunal dos fatos. Sigo aqui uma das metodologias de Hannah Arendt: se o contrário da verdade científica é o erro, se o contrário da verdade filosófica é a ilusão, o contrário da verdade factual é a mentira. O que não faltam, ministro Marco Aurélio, são evidências claras de diversos crimes a exigirem o processo de impeachment. Ainda que houvesse dúvida, em se tratando de que está em jogo o futuro de toda a minha, a vossa, a nossa Nação, ponha-se em prática o princípio que vale para tanta gente sem a prerrogativa de foro privilegiado: “in dubio pro societate” (na dúvida, decida-se a favor da sociedade). Não é se balizando por isso que muitas pessoas são, por exemplo, pronunciadas e seguem ao Tribunal do Júri? O caso do impeachment é similar porque as evidências de crimes são robustas demais.

Se observarmos somente os crime de responsabilidade (lei 1079/50), Dilma nele incorreu com as “pedaladas fiscais”. Dilma também o cometeu quando tentou obstaculizar a Justiça enviando a Lula um “termo de posse” para funcionar como salvo-conduto se ele recebesse voz de prisão. Em crime ela reincide quando diz nos bastidores, conforme delação premiada de Delcídio do Amaral, que possuía ministros em tribunais superiores, dando a impressão da possibilidade de se fazer lobby para pressioná-los. Acredito, senhor ministro, que isso é grave ofensa ao próprio STF, que desde o início de nossa jornada Republicana tem sido incansável garantidor do Estado de Direito, jamais cedendo aos caprichos de governantes. Ministro Marco Aurélio Mello, recorro aqui a um dos mais geniais cronistas e compositores desse País, o inesquecível Antônio Maria, e tomo a liberdade de considerar que o senhor, assim como eu, cabemos na delicada e precisa definição que ele nos deixou sobre a nossa nacionalidade: “brasileiro; profissão: esperança”.