Desde a redemocratização, uma profissional se tornou protagonista da implosão de diversos esquemas de corrupção: a secretária. A intermediação de contatos, a farta agenda e o profundo conhecimento de negócios realizados entre entes públicos e privados transformaram essas personagens em caixas pretas para investigadores. Sandra Fernandes acelerou a derrubada do então presidente Fernando Collor ao denunciar que a equipe dele estava montando a “Operação Uruguai” para dar aspecto legal ao dinheiro arrecadado por PC Farias. 

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Limpeza?: Odebrecht quer que executivos narrem práticas de corrupção
e celebrem delações premiadas

 
Karina Somaggio esquadrinhou como o publicitário Marcos Valério ordenava pagamentos a parlamentares da base aliada no Mensalão. Agora, é a vez de Maria Lúcia Tavares desnudar os subterrâneos do Petrolão. Funcionária da Odebrecht, ela detalhou, em delação premiada, a existência de um departamento de propinas dentro da maior empreiteira do Brasil. Trata-se de uma repartição com direito a funcionários em regime exclusivo e um sistema de informática próprio. Os relatos de Maria Lúcia embasaram a 26ª fase da Lava Jato. 
 
A Operação, na terça-feira 22, foi um duro golpe ao conglomerado. No mesmo dia, a Odebrecht informou, em comunicado, a disposição em firmar “uma colaboração definitiva” com a Justiça. Os depoimentos de seus executivos têm potencial para varrer a política nacional. Apenas em uma planilha apreendida pela Polícia Federal, há a indicação de pagamentos a 316 políticos de 24 partidos. Para o Planalto e o PT, uma possível delação de Marcelo Odebrecht, o dono do conglomerado que está preso desde junho, pode ser devastadora. 
 
O grupo Odebrecht mantém estreita relação com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e possui inúmeros contratos com o governo. A Odebrecht se tornou parceira privilegiada das gestões petistas no Planalto, chegando a abrir novas frentes de negócios para atender à demanda federal. Foi escolhida para participar até do projeto de construção do submarino nuclear brasileiro. As relações pessoais entre executivos da empreiteira e Lula resultaram em benefícios diretos, como o pagamento da reforma do sítio em Atibaia, que, suspeita-se, pertence ao ex-presidente. 
 
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Arrebatadora: A delação da secretária Maria Lúcia Tavares levou
a Odebrecht a colaborar com a Justiça 

 
Ao deixar o cargo, Lula teria se tornado, segundo as investigações, uma espécie de embaixador dos interesses da empreiteira no exterior. Agia junto a chefes de estados estrangeiros para viabilizar negócios da empreiteira. Os investidores acreditam que Marcelo Odebrecht pode explicar, em sua delação, como funcionava o esquema de palestras de Lula, que teriam o objetivo de garantir novos negócios para a empreiteira. Em alguns casos, o ex-presidente teria sido o responsável direto pela liberação de empréstimos do BNDES. 
 
O ponto central das delações da Odebrecht deve ser, no entanto, o governo Dilma. Procuradores exigirão que executivos do grupo e Marcelo Odebrecht expliquem como o conglomerado fez contribuições ilegais para a campanha à reeleição da presidente. As operações teriam sido intermediadas pelo tesoureiro da campanha e atual ministro da Comunicação Social, Edinho Silva. Marcelo Odebrecht não estava nem no ginásio quando Maria Lúcia Tavares começou a trabalhar, há 39 anos, para a empreiteira fundada por seu avô. Ela passou por diferentes setores. 
 
Em todos, obteve o respeito dos chefes pelo sigilo e a discrição. Os predicados faziam Maria Lúcia parecer a pessoa certa para ocupar o cargo no “setor de controle de pagamento de propina.” Tamanho era o seu conhecimento sobre as operações ilegais da empreiteira que a sua prisão na 23ª fase da Lava Jato, em fevereiro, trouxe mais temores à cúpula da empresa do que a de executivos e operadores. Suas informações não se restringem a um contrato específico ou a um dos ramos de negócios do grupo, que passam por áreas como construção civil, petroquímica ou defesa. 
 
Como demonstrou aos procuradores, Maria Lúcia é capaz de apontar toda uma rede de corrupção, que envolve as diversas companhias do conglomerado e seus beneficiários. Foi a primeira a confirmar aos procuradores que os acarajés citados nos grampos e endereçados ao marqueteiro do PT, João Santana, alimentavam, de fato, caixa dois de campanhas. A delação premiada da secretária mudou o modo da Odebrecht encarar a Lava Jato. A empresa e, principalmente, Marcelo Odebrecht negavam a possibilidade de seus dirigentes fazerem acordos com a Justiça. A decisão se mantinha mesmo com os prejuízos financeiros gerados pelas investigações.
 
O simples rumor da delação de Maria Lúcia Tavares fez a empreiteira mudar os planos. Tornava-se, cada vez mais difícil, exigir que funcionários permanecessem em silêncio e se arriscassem a passar anos presos. Marcelo Odebrecht deu o aval para que os executivos negociassem um acordo em grupo, mas deixou claro que não faria parte. Afirmava, no entanto, que, “se sucumbisse, não pouparia político algum”. Na terça-feira 23, ao receber a confirmação que a delação da secretária existia mesmo, Marcelo entregou os pontos. Não via mais expectativa de reverter a condenação imposta pejo juiz Sergio Moro.