A República Federativa do Brasil nunca mais será a mesma após a delação premiada do senador Delcídio do Amaral, que confessou crimes inconfessáveis aos investigadores da Operação Lava Jato e, ao girar a sua metralhadora verbal para todos os lados em Brasília, atingiu a imagem de políticos de diversos partidos, com os quais convive há anos sob holofotes e nos bastidores do poder. Publicadas em primeira mão por IstoÉ, as revelações escandalosas de Delcídio abalaram as fundações da arena política nacional, atingindo desde companheiros do PT e do PMDB até adversários do PSDB. 

Como um serial killer determinado a destruir reputações após ser preso em flagrante delito, o senador atirou contra Dilma, Lula, Temer, Mercadante, Cunha, Calheiros, Jucá, Lobão, Aécio e muitos outros. Todos os citados nas confissões de Delcídio negam as acusações de participarem de esquemas de corrupção. Mas as feridas estão abertas e demorarão anos para cicatrizar. Os dias loucos da semana passada, em que a população foi às ruas protestar e dois presidentes passaram a dar as ordens no Palácio do Planalto, em meio a uma guerra de liminares judiciais e grampos telefônicos, confirmam as palavras de Delcídio: “Eu sou um profeta do caos”.
 
Em sua franqueza suicida – ele também participou dos esquemas que ora denuncia, como petista, líder do governo e presidente da CPI dos Correios –, Delcídio reagiu como um soldado abandonado e ferido no campo de batalha, rotulado de “imbecil” pelo ex-comandante, e deixado à sorte dos algozes da Lava Jato. Suas afirmações terão de ser provadas para que ele possa receber uma punição mais leve da Justiça. Politicamente, contudo, o estrago está feito, com mortos, aleijados e zumbis de todos os lados tentando se safar em meio aos escombros de um sistema político que não funciona mais e de um governo que terminou antes de começar. 
 
Nessa Gotham City tupiniquim que virou Brasília, Delcídio vestiu a carapuça do Coringa, o inimigo do Batman, o cavaleiro das trevas. O receituário do Coringa, espetacularmente vivido no cinema pelo ator Heath Ledger, virou um clássico pop para quem luta contra o poder constituído: “Introduza um pouco de anarquia. Perturbe a ordem estabelecida e você cria o caos. Eu sou o agente do caos”. Delcídio, o Joker brasileiro, já mostrou que não está para brincadeiras e jogou gasolina com nitroglicerina na fogueira do impeachment de Dilma. 
 
Provocou o caos e arrastou Lula e a Lava Jato para dentro do Planalto. Como o processo de impedimento da presidente da República é eminentemente político, suas bombas verbais podem ser fatais. A punição, no melhor estilo Batman, será instantânea para quem é acusado de descumprir a lei. Na Justiça, entretanto, o roteiro do filme pode ter um final diferente. Saudado como herói nacional nas manifestações de 13 de março, o juiz Sérgio Moro, o bem-vindo cavaleiro que jogou luz nas trevas da política e dos negócios escusos com o dinheiro público, conseguiu feitos notáveis e encarcerou criminosos. 
 
Mas, tal qual Batman, corre risco de ser perseguido como um justiceiro. Ao tornar públicas as gravações envolvendo Lula e Dilma, em vez de enviá-las sob sigilo ao Supremo Tribunal Federal, a quem compete investigar e julgar a presidente e os ministros, Moro fez um movimento político audacioso. Pode ter sido o tiro mortal no governo e na era Lula-Dilma. Mas a dupla dinâmica do PT ganhou munição para tentar anular, no STF, a prova cabal de que a presidente tentou obstruir a Justiça e evitar a prisão de um investigado. O grampo, diz Dilma, foi ilegal. Quem vai rir por último?