Há momentos cruciais na vida de um político em que ele precisa decidir se está disposto a responder aos anseios legítimos da sociedade ou se agirá de acordo com as suas conveniências particulares. Nos próximos dias, o Congresso brasileiro irá se deparar com esta circunstância histórica. Mais do que uma querela partidária, a votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff representa, para congressistas de diferentes matizes ideológicas, uma rara oportunidade de mudar o destino de toda uma nação, e não apenas de partidos, sejam eles governistas ou de oposição. 

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Protesto: Na quarta-feira 16, deputados da oposição exibem cartazes que pedem
a saída de Dilma. Abaixo, placar que sacramenta a abertura da comissão de impeachment
 
 
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Vilipendiado por escândalos de corrupção, ultrajado por parlamentares infames, o Congresso terá agora uma chance de se redimir dos pecados cometidos em nome do jogo político. Não é mais possível ignorar o chamamento das ruas. Não é mais justificável fechar os olhos à sujeira que cobre de névoas o governo petista. Não é aceitável impedir que o Brasil volte a sonhar com um futuro decente, para sair enfim do pesadelo que sufoca o País. Aprovar o impeachment da presidente de Dilma é, acima de tudo, uma questão de dignidade. 
 
Cabe ao Congresso cumprir o seu papel democrático, que não é outro a não ser defender o País e honrar os votos que os parlamentares receberam de milhões de brasileiros. A história é sempre implacável com aqueles que traem as aspirações populares. Foi assim com os que foram contrários ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. O destino lhes reservou o ocaso político. Não será diferente agora. No PMDB, persiste uma minoria que pretende desfrutar, até o último suspiro, das benesses oferecidas por Dilma. 
 
É o caso do deputado mineiro Mauro Lopes, que pisoteou a decisão da Convenção Nacional do PMDB ao assumir o posto de ministro da Aviação Civil na quinta-feira 17. Em reunião no sábado 12, a sigla havia proibido os filiados de ingressarem no governo. Não demorou para o desconhecido Lopes, que corre o risco de ser expulso da legenda, se tornar um dos alvos de manifestações populares. É um preço que ele e outros podem pagar por ignorarem o clamor popular pelo impeachment. Fazem parte deste ala colegas de Esplanada, como Kátia Abreu, Marcelo Castro, Henrique Eduardo Alves, Celso Pansera e Helder Barbalho. 
 
Na Câmara, a turma do PMDB que joga contra o País é capitaneada pelo líder Leonardo Picciani, além dos integrantes da Comissão do Impeachment José Priante (PA), João Marcelo (MA), Valtenir Pereira (MT) e Washington Reis (RJ). O ministro da Secretaria dos Portos, Helder Barbalho (PMDB-PA), já começa a sentir os efeitos da permanência no governo. Nos últimos dias, seus assessores receberam mensagens de e-mail com severas críticas ao apoio de Barbalho a Dilma. Permanecer até o fim na gestão da petista pode destruir sua pretensão de disputar a cadeira de governador do Pará. 
 
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Na última eleição, o político, de 36 anos, chegou a disputar o segundo turno. As cobranças públicas se assemelham às sofridas pela senadora e ministra da Agricultura, Kátia Abreu (PMDB-TO). Ela tem irritado suas bases históricas. Federações formadas por proprietários rurais insistem que a cassação de Dilma é necessária para destravar o Brasil. Acham inconcebível uma ex-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) se manter fiel a um governo que agrava crises no setor.
 
Não é melhor a situação do deputado federal e ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB-PI). Ele pretende ir até o fim defendendo um governo do qual era crítico mordaz. Antes de assumir o cargo, Castro questionava publicamente o programa “Mais Médicos”. A permanência de Castro gera desgastes junto a entidades médicas, das quais é próximo. Também inspira desconfiança na bancada a continuação do deputado Celso Pansera (PMDB-RJ) à frente da Ciência e Tecnologia. O parlamentar traiu Eduardo Cunha, espécie de padrinho, em troca de espaço na Esplanada. 
 
Para a cúpula da legenda, a decepção com Pansera só não supera a que foi motivada por Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ministro do Turismo. Nos bastidores, Michel Temer diz que Alves abandonou arranjos partidários em troca de um cargo incerto. Custo político maior deverão pagar os cinco integrantes governistas do PMDB na Comissão do Impeachment. Eles correm o risco de entrar para a história como a tropa de choque de uma gestão impopular e envolta em escândalos de corrupção. Leonardo Picciani (RJ), líder do partido, José Priante (PA), João Marcelo (MA), Valtenir Pereira (MT) e Washington Reis (RJ) caminham para ter seus nomes desprezados pelos eleitores em futuros pleitos. 
 
Eles esquecem, ou simplesmente ignoram, o que aconteceu com aqueles que foram até o final com Collor. Acabaram praticamente depostos juntos com o seu mentor político. O processo do impeachment começou a andar. Com 433 votos a favor e apenas um contra, do petista José Airton (CE), foi eleita na quinta-feira 17 a Comissão Especial da Câmara dos Deputados que apreciará o pedido de impedimento de Dilma. A instalação ocorre três meses depois que o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), decidiu aceitar as denúncias compiladas pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal e endossadas pela oposição. 
 
De lá para cá, o quadro político e econômico se deteriorou. Dos 65 integrantes da comissão, menos de dez votos ainda são considerados indefinidos (leia quadro). Pela distribuição das vagas, calculada a partir do tamanho de cada bancada, os partidos com maior número de representantes são o PMDB e o PT, com oito lugares cada. Em seguida, vêm o PSDB (seis) e o PP (cinco). A julgar pelo ritmo das investigações da Polícia Federal, a perspectiva para os próximos 45 dias é de intensa movimentação em Brasília. Este foi o prazo considerado por Cunha como “razoável” para que a comissão apresente seu parecer ao Plenário. 
 
A partir de agora, Dilma tem dez sessões para apresentar seu pedido de defesa. De forma inusitada, após uma série de desgastes enfrentados pelo Planalto, dois partidos da base aliada terão papel-chave até lá. Os líderes do PSD e do PTB na Câmara, Rogério Rosso (DF) e Jovair Arantes (GO), foram eleitos presidente e relator da Comissão, respectivamente. Embora oficialmente os dois sejam considerados aliados, a pressão é grande em seus partidos por uma guinada à oposição. Além disso, ambos são próximos do presidente da Câmara, diretamente interessado na saída de Dilma. O cerco está se fechando.
 
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Créditos das fotos desta matéria: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil