Pode ter sido mera coincidência. No momento em que as urnas se fechavam às 17 horas do domingo 1º, uma pesada nuvem negra começou a cobrir o Palácio da Alvorada, em Brasília. O vento forte e frio afastou então duas dezenas de eleitores que ainda torciam para que o presidente Lula vencesse a eleição no primeiro turno. Lá dentro, no salão de jogos do subsolo do palácio, Lula, o vice José Alencar e cinco ministros postaram-se diante de um telão para esperar o resultado das urnas. Foi uma longa agonia. Veio o resultado da primeira pesquisa de boca de urna: 50% a 50%, anunciou o Ibope. Lula fechou o semblante. Por quatro horas, postou-se em silêncio diante da tevê e de uma bandeja com quibes e pastéis. Atacou dois litros de guaraná. Os ministros, preocupados, enxugaram um Black Label. Às 21h15 em ponto, Lula foi chamado a um canto do salão. “Presidente, não vai dar para vencer no primeiro turno”, avisou seu marqueteiro João Santana. A reação foi inesperada. Lula descontraiu. “É como se ele tivesse tirado um grande peso das costas”, relata um ministro. Então Lula brincou: “A compra desse dossiê foi a Operação Tabajara.” A conversa mudou de tom: “Será que o Casseta e Planeta vai explorar a foto do dinheiro?”, perguntou um dos ministros. O segundo turno começou naquele instante. Com o presidente já de bom astral, ele decidiu convocar uma reunião ministerial de emergência para a manhã de segunda-feira a fim de planejar a nova estratégia de campanha. “Vamos tocar a vida pra frente”, disse Lula. “Ganhamos o primeiro turno, vamos ganhar duas vezes!”, bradou. “Ânimo, pessoal, ânimo!”

Com 46,6 milhões de eleitores, ou 48,61% dos votos válidos, Lula quase chegou lá. Faltou 1,3 milhão de votos. Seu adversário, Geraldo Alckmin, saiu das urnas com 41,6% dos votos. “O segundo turno é uma outra eleição, as chances de Lula e Alckmin ficaram parecidas”, analisa Ricardo Guedes, do instituto de pesquisas Sensus. A nova estratégia de Lula, acertada com seu Conselho Político, é partir para o ataque. Lula quer avançar em todas as frentes. Uma das providências será descobrir quem, afinal, é o responsável pelo escândalo do dossiê contra os tucanos, armado por um grupo de petistas. “Quando eu soube da história, tive vontade de morrer”, disse Lula na reunião do Conselho Político. “Eu não morro enquanto não souber quem foi o filho da #**@& que produziu essa cagada”, completou. Lula está convencido de que foi essa história, que em outros momentos chamou ironicamente de “monumental obra de engenharia”, que lhe tirou a vitória no primeiro turno. Outra providência do presidente foi convocar o time de vencedores das urnas para compor um novo Estado Maior, diminuindo o poder da cúpula petista e já incorporando o PMDB governista. Jaques Wagner, que surpreendeu com uma vitória para o governo da Bahia, virou comandante-em-chefe no seu Estado. Ele será um dos principais eleitores de Lula, ao lado de Sérgio Cabral, candidato do PMDB ao governo do Rio, terceiro maior colégio eleitoral do País. Também entraram para o time de conselheiros palacianos três caciques do PMDB, Renan Calheiros, José Sarney e Jader Barbalho. Em São Paulo, Marta Suplicy, que elegeu a metade da bancada do PT paulista, vai chefiar a campanha no Estado. Lula tomou outra providência – despachou para longe todos os perdedores, a começar pelo senador Aloizio Mercadante e o presidente do PT, Ricardo Berzoini. Avisou que não quer vê-los por perto.

“Está todo mundo pronto para a guerra”, avisa a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti. “O Lula vem que vem!” Nos palanques e nos programas de tevê, a campanha já mudou de estratégia. No primeiro turno, Lula vinha se posicionando como estadista, como presidente – e não como candidato. Não debatia, não dava entrevista, não polemizava, não atacava nem respondia a alguns ataques. Estava muito à frente dos demais adversários. Essa estratégia agradava sua base política, os eleitores de baixa renda, mas não a classe média. Agora tudo mudou. Alckmin está na sua cola – e crescendo. Uma das novidades foi escalar
Ciro Gomes, deputado mais votado do Ceará, para o posto de comandante da artilharia pesada. Ciro vai bater forte em Alckmin e nos tucanos. Na quarta-feira 4, Ciro já tentava arrumar um bate-boca com José Serra. Outra avaliação de Lula é
que precisa descer do pedestal e disputar cada voto com o adversário. Ele e seu novo staff chamam isso de “guerra da telinha”. Ela se dá em duas frentes. A primeira é aceitar ir a todos os debates na tevê contra Alckmin – já confirmou a presença no primeiro deles, neste domingo, promovido pela Rede Bandeirantes. Lula acha que vai se sair melhor do que o tucano. A segunda frente é restabelecer a relação com a imprensa. “Preciso melhorar a minha relação com a mídia”, disse ele a seus conselheiros. Já está agindo.

Os ministros do governo, que até agora estavam nas trincheiras, simulando neutralidade, receberam a ordem de se alistarem na infantaria. Devem ir às ruas caçar votos, promover muitas reuniões de avaliação e não deixar nenhum ataque sem resposta. Nada menos que 17 ministros receberam ordem de entrar de cabeça no corpo a corpo da campanha. “O mercado gosta mais do candidato Alckmin e a população gosta mais do candidato Lula”, atacou Guido Mantega, da Fazenda. Outra medida tomada foi a liberação de R$ 1,5 bilhão para os Estados onde Alckmin se deu bem no primeiro turno – para Minas Gerais, foram enviados R$ 58 milhões para quatro obras. O presidente também vai viajar ao máximo. Sua intenção era iniciar a campanha do segundo turno já na sexta-feira 6 com um comício em Juazeiro e Petrolina, na divisa da Bahia e Pernambuco. Na intimidade, o presidente avalia que não tem como perder a eleição, desde que não cruze os braços e vá à luta. A equipe de Lula considera Alckmin uma personalidade “apagada”, que só tem facilidade para falar quando decora textos. Lula planeja explorar a aparente dificuldade de Alckmin em falar de forma improvisada.

A decisão mais difícil tomada por Lula diz respeito ao debate sobre ética, corrupção e o uso de baixarias na campanha. Até agora, Lula vinha pregando uma campanha “propositiva” sobre programa de governo. Não apresentou nenhum programa, não fez promessas, mas mostrou números maquiados comparando seu governo ao de Fernando Henrique Cardoso. Alckmin mordeu a isca – fez uma campanha de alto nível e só nos últimos dias atacou Lula. O PT de Lula criou em maio último um “Núcleo de Inteligência” para apurar denúncias contra Alckmin e soltar torpedos com baixarias. Alckmin, por sua vez, só criou seu próprio núcleo em fins de julho. O PT investigou o governo tucano, os filhos de Alckmin e até a vida do primeiro marido de Lu Alckmin, já falecido. Depois que soube disso, Alckmin proibiu seus marqueteiros de atacar a família de Lula. Ataques, só contra o governo. Mas as regras desse jogo mudaram. Terminou a guerra fria. O presidente decidiu que, nos debates, vai tomar a iniciativa de levantar o tema da ética. Ele planeja dizer que foi seu governo o responsável pela criação dos mecanismos que fortaleceram a luta contra a corrupção, dando independência e reestruturando à Polícia Federal. Na área de segurança, Lula pretende polemizar com Alckmin sobre a força do PCC em São Paulo. Ele sabe que esse é ponto mais fraco do tucano. Por último, a estratégia de Lula é dizer que governa para dois terços da população e Alckmin quer governar para um terço, os mais ricos. É Lula no ataque.