Quem assistiu a cerimônia de entrega do Oscar pela Rede Globo no fim da noite do domingo 28 distraiu-se com o desconforto de Glória Pires, aplaudiu Leonardo Di Caprio, reverenciou Spotlight, mas perdeu o melhor da festa. Por conta dos compromissos de sua grade de programação (leia-se Fanástico e Big Brother Brasil), a emissora iniciou a transmissão com o show já em andamento. É compreensível essa decisão: os primeiros prêmios entregues são menos relevantes, muitos deles técnicos, e interessam pouco a quem não é cinéfilo. Ocorre que, este ano, havia um componente extraordinário, que alterou a dinâmica do show, pelo menos do ponto de vista do público: a chiadeira em torno da ausência de negros entre os indicados para concorrer à estatueta. Hollywood reagiu escolhendo um apresentador negro, o ator e humorista Chris Rock, para a festa.

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A grande pergunta que ficou no ar até que as cortinas do espetáculo se abrissem era como ele lidaria com a delicada questão das acusações de racismo na indústria do cinema. Assim, o tradicional monólogo de abertura do evento, performance solo do apresentador, ganhou importância de manifesto e revelou-se um brilhante e delicado contra-ataque dos organizadores aos que pretendiam demonizá-los.
Chris Rock mostrou como se lida com intolerância e patrulhas, mesmo quando travestidas de causas justas.

Ao invés da negação ao problema da participação de profissionais (e não apenas atores) negros nas produções hollywoodianas, o humorista admitiu que ele existe, mas não o superestimou, como muitos vez fazendo. Com humor inteligente – em alguns momentos até mesmo ácido – mostrou que a questão racial não está na cerimônia, mas na falta de oportunidades para a comunidade negra nessa e em outras atividades.

Segundo Rock, a única maneira de garantir a presença de profissionais negros no Oscar seria criar uma categoria exclusiva para eles, estabelecendo uma espécie de cotas que seria um contrassenso. Para o apresentador, até mesmo a existência de prêmios distintos para atores homens e mulheres deveria ser revista, já que representar não é uma profissão em que a questão física traga vantagem ou desvantagem para determinado sexo, como numa competição esportiva. Com o mote “oportunidades iguais para todos”, Rock transmitiu uma mensagem mais poderosa do que as propostas de boicote que, como tem sido frequente em “campanhas justiceiras” nas redes sociais, pregam mais distanciamento entre as partes do que a real solução dos problemas.

O humorista não optou pela comodidade do “politicamente correto” – chegou a sugerir que a premiação deveria ser dedicada aos negros mortos por policiais enquanto iam ao cinema – e acabou dando o tom da cerimônia em que o Oscar desceu do muro para comprar algumas brigas. Em outros momentos brilhantes e engajados da noite, o vice-presidente americano Joe Biden e a cantora Lady Gaga saíram em defesa das universitárias vítimas de abuso sexual, e Leonardo Di Caprio usou os holofotes que tanto esperou para lençar mais luzes sobre os efeitos das mudanças climáticas. Mas então Chris Rock já havia roubado a cena.