O magnata Donald Trump, pré-candidato à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, faz tudo “errado”. Ofende boa parte do eleitorado e dos adversários, demonstra inconsistência, aliena os imigrantes, se enfurece com jornalistas – tudo o que o manual dos marqueteiros desaconselha. Mas, ao desafiar o senso comum, Trump só cresce. De quatro prévias disputadas até agora, venceu três. A última delas na terça-feira 23, em Nevada, quando levou 45,9% dos votos, 22 pontos percentuais a mais que o segundo colocado, o senador cubano-americano Marco Rubio. Nascida como uma piada de mau gosto e subestimada pelos próprios correligionários, a candidatura de Trump ganha força à medida que se aproxima a Superterça, quando mais de dez Estados e territórios farão as primárias ao mesmo tempo. À revelia da elite do partido, as pesquisas indicam que, na terça-feira 1º, o empresário que ficou famoso como apresentador do reality show “O Aprendiz” deverá sair como o grande vencedor. Se isso for verdade, Trump poderá conseguir uma liderança quase imbatível na contagem do sistema de delegados.

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Apesar da grande rejeição, Donald Trump lidera as pesquisas da Superterça

O desfecho, inesperado há oito meses, quando o bilionário lançou a pré-candidatura, transformaria a eleição americana numa grande incógnita. “Ninguém sabe o que esperar de Trump nas eleições gerais”, disse à ISTOÉ Alexander Keyssar, professor de história e política pública na Escola Kennedy de Administração Pública da Universidade Harvard. “Se obtiver a nomeação, ele provavelmente baixará o tom dos comentários.” O problema, argumenta o professor, é que se Trump se tornar um candidato mais convencional e moderado, pode perder parte de seu apelo. “Ele quebrou todas as regras e agora é um sério candidato”, afirma Stephen Craig, diretor do Programa de Campanha Política da Universidade da Flórida. “Seus apoiadores não são ligados por um perfil político, ideológico ou demográfico, mas pela raiva que sentem em relação a Washington.” Despertada por diferentes razões e, por isso, sem solução no curto prazo, essa raiva alimenta um crescente descontentamento entre um lado e outro, segundo Craig. “Os partidos políticos americanos sempre foram considerados menos ideológicos que em outros países, mas isso tem mudado”, diz o professor. “Ninguém se esforça mais para encontrar um consenso.”

Ainda que o desempenho de Trump seja surpreendente nas primárias e isso possa se repetir na eleição majoritária, um discurso tão extremista pode fazer dele um candidato mais vulnerável na disputa com os democratas. Isso porque poderia inspirar os latinos, as mulheres e os negros a se engajar mais e ir às urnas contra sua vitória. Em Nevada, o pré-candidato orgulhosamente anunciou que obteve 46% dos votos dos hispânicos, uma fatia cada vez mais relevante do eleitorado americano, e disse: “Eu adoro as pessoas que têm baixo nível educacional.” Um olhar mais apurado sobre as estatísticas, no entanto, mostra que a amostragem era minúscula, entre 100 e 200 pessoas. Segundo uma pesquisa divulgada pelo jornal Washington Post na quinta-feira 25, oito em cada dez eleitores latinos têm uma visão desfavorável do magnata que prometeu construir um muro na fronteira com o México e ameaçou deportar 11 milhões de imigrantes. Para pisar na Casa Branca, Trump teria que superar tamanha rejeição desse e de outros grupos – um obstáculo também para a democrata Hillary Clinton.

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Enquanto isso, os principais líderes do Partido Republicano, que não escondem a preferência por Rubio, têm trabalhado contra a ascensão de Trump. Na semana passada, Mitt Romney, candidato republicano na corrida presidencial de 2012, questionou a declaração de imposto de renda do pré-candidato. Mas os ataques vindos de adversários são escassos. Um levantamento mostra que apenas 4% da propaganda eleitoral teve Trump como alvo. “Ninguém quer entrar numa briga com ele, porque sabe que ele vai baixar o nível”, diz Keyssar. Quem mais o atacou diretamente foi Jeb Bush, mas a estratégia não funcionou. No sábado 21, Bush retirou sua candidatura, que já havia custado US$ 130 milhões.

O legado de Obama

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Em seu último ano como presidente dos Estados Unidos, Barack Obama fez uma nova tentativa de cumprir uma promessa de campanha de 2008 e deixar um legado relevante. Na terça-feira 23, o presidente enviou ao Congresso um plano para fechar a prisão de Guantánamo (foto), que, há 14 anos, mantém encarcerados homens acusados de crimes de guerra e ligação com o terrorismo sem nunca terem sido julgados. Enquanto os mais conservadores alarmaram para o perigo que os prisioneiros representavam aos americanos, os ativistas de direitos humanos permaneceram céticos. “Em grande parte de sua Presidência, ‘vou trabalhar com o Congresso’ tem sido um código para ‘isso não vai sair do papel’”, disse Cori Crider, diretora da ONG Reprieve.

Fotos: JIM WATSON/AFP; Shane T.McCoy, U.S. Navy/AP Photo