As mulatas de seios fartos e lábios carnudos povoaram grande parte da obra – e do imaginário – do pintor carioca Di Cavalcanti (1897-1976). Mas, quando se tratava do universo feminino, além de modernista, o artista era bastante democrático. Seus pincéis também imortalizaram belas loiras, morenas e ruivas. Mulheres que podiam ser sofisticadas e dramáticas ou explosivas e sensuais. Algumas dessas musas podem ser vistas na exposição Emiliano Di Cavalcanti (Pinakotheke, São Paulo, de 18 de outubro a 16 de dezembro). A mostra reúne 65 peças, entre pinturas, caricaturas, croquis e manuscritos desse artista que foi um dos mentores da Semana de Arte Moderna de 1922.

“As mulheres passam pela minha vida como fonte de inspiração. É com elas que desenvolvo a forma e as cores da minha pintura”, afirmava Di Cavalcanti, como conta o curador da mostra, Max Perlingeiro. Dividida em sete módulos, a exposição dedica três deles à paixão de Di pelas mulheres: Retratos, Suas musas e seus amores e Maternidade. “Retratos traz dez telas pintadas entre as décadas de 20 e 60. Ao longo desses anos é possível notar na pintura de Di Cavalcanti uma explosão de cores”, explica Perlingeiro. Nessa sessão a única personalidade masculina retratada é o próprio artista, em Auto-retrato, de 1943.

Suas musas e seus amores traz cenas cotidianas protagonizadas pela beleza feminina. A tela Nascimento de Vênus, de 1940, foi desenvolvida durante a estadia de Di Cavalcanti na fazenda de sua amiga Tarsila do Amaral, logo depois que o artista passou uma temporada na Europa. Mulher e caminhão, de 1932, é praticamente um “Di clássico”, pois retrata uma mulata curvilínea, com a paisagem paulistana ao fundo. Já o módulo Maternidade traz as obras mais raras do acervo, que são as pinturas religiosas, com Jesus Cristo e a Virgem Maria, misturadas a cenas de mulheres amamentando ou a delicadeza com que embalam seus filhos.

A exposição Emiliano Di Cavalcanti não se limita às pinturas do artista e traz ainda o seu lado “designer”. Em 1965, Di foi convidado pelo joalheiro francês Lucien Finkelstein a desenvolver uma coleção de jóias. As 15 peças exclusivíssimas foram disputadas por poucas privilegiadas da high society. Quatro dessas jóias estão presentes na mostra. “São miniesculturas feitas com materiais nobres como ouro, diamante e brilhantes”, afirma Perlingeiro. No livro Di Cavalcanti – 30 anos de amizade e coleção, Finkelstein conta como eram os arroubos criativos do artista. “Ficava maravilhado pela facilidade com que Di desenhava em qualquer circunstância: ao telefone, no restaurante… Quantas vezes, enquanto conversava comigo no escritório, eu o vi pegar uma folha de papel atrás da outra para nelas traçar esboços de jóias que eram pequenas obras-primas”, escreve o joalheiro.

Bem antes de se tornar pintor, Di Cavalcanti era cartunista. Com uma carta de recomendação do poeta Olavo Bilac – que era amigo de sua família no Rio –, veio para São Paulo arriscar a sorte na imprensa brasileira. Trabalhou em publicações como o jornal A noite e a revista Fon-fon, onde fazia ilustrações extremamente politizadas. “Ele era um crítico do capitalismo”, afirma Perlingeiro. Na exposição estão reunidas quase uma dezena de charges, com destaque para a caricatura do escritor Mário de Andrade. “Foi no período em que trabalhou na imprensa que conheceu alguns daqueles que se tornariam os companheiros modernistas como Anita Malfati e Victor Brecheret”, diz o curador.

O cenário em que Di passou seus últimos anos e onde executou suas últimas telas também está reconstituído na exposição. O mobiliário, os pincéis, as tintas e peças de decoração de seu antigo ateliê localizado na rua do Catete, no Rio, tais como foram deixados pelo artista, podem ser vistos na mostra. No cavalete, uma pintura inacabada: o esboço do que seria uma cena com duas mulheres. Não podia ser diferente para o homem que amava as mulheres.