“Salvo rosto ou contorno explícito, como saber que nos procura o
viajante sem identidade? Algum
ponto em nós se recusa”
(Como encarar a morte– Carlos Drummond de Andrade)

Em Como encarar a morte, o mineiro Carlos Drummond de Andrade aborda o fim da existência sob ângulos inusitados. Na poesia, ele fala do momento como se o presenciasse de longe (observando o vôo de pássaros), à meia distância (percebendo a claridade difusa na sombra), de lado – caso do trecho transcrito acima –, de dentro (“um gás de um estado indefinível”) e até mesmo sem vista (“sentir não sentindo”). O detalhe interessante é que Drummond não se refere ao inevitável pelo seu nome: morte. O final da vida, realmente, é um tema delicado. E muitas vezes se evita tratar dele. Frequentemente, o assunto provoca incômodos. Por isso, encará-lo, também no âmbito da medicina, é algo desafiador. Os profissionais da saúde são formados, afinal, para lutar contra doenças e pela vida. Diante da iminência da morte, nem sempre sabem como agir. O que fazer quando não há mais boas perspectivas para o paciente? Como amenizar seu sofrimento? E como amparar os que perderão alguém querido?

Exemplos – São perguntas difíceis. No entanto, inicia-se em vários hospitais brasileiros um movimento para tentar encontrar as melhores respostas. Algumas das iniciativas serão apresentadas no III Congresso Brasileiro de Tanatologia (palavra que se originou do grego Tânatos, o deus da morte) e Bioética, que acontecerá em São Paulo no próximo mês. O evento irá discutir como cada
uma das ações está ajudando pacientes e seus familiares a enfrentar uma
das horas mais difíceis da vida.

Um dos principais exemplos vem do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo. Lá, assim como em outros centros de saúde, a tarefa cabe ao grupo de cuidados paliativos. São profissionais de diversas áreas. Médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, assistentes sociais, terapeutas e pessoas com formação ecumênica participam do programa. O primeiro passo é aliviar a dor do doente. Se não há mais meios de tratar a enfermidade, a idéia é controlar ao máximo os sintomas e diminuir a agonia. Dependendo do caso, diversos recursos entram em ação. Técnicas de massagem, ensinadas por terapeutas, aliviam o desconforto, por exemplo. Além disso, o toque funciona como uma mensagem de que o paciente é amado. “Um medo de quem está perto da morte é se sentir abandonado. Quando percebe que pode contar com a família e os amigos, ele se sente mais seguro e lida melhor com a situação”, garante a médica Maria Goretti Maciel, fundadora do programa de cuidados paliativos do hospital paulistano.

Se o doente está muito tenso, uma estratégia é recorrer a técnicas de visualização. Nesse caso, o trabalho é conduzido por um psicólogo. O profissional o faz lembrar de uma situação de felicidade e, aos poucos, o “conduz” para aquele momento. O objetivo é fazer com que ele reviva a sensação de bem-estar experimentada antes. Os especialistas também oferecem apoio psicológico aos familiares, inclusive após a morte do doente. Esse suporte vem amenizando a dor de muita gente, como mostram alguns dos depoimentos publicados ao longo desta reportagem.

Aconchego – Como há muitos pacientes que preferem ficar em casa, a assistência pode ser prestada a domicílio. Os profissionais visitam os lares semanalmente e ficam à disposição dos parentes. Para que os doentes tenham toda a infra-estrutura disponível num hospital, algumas instituições, como o Hospital do Câncer do Ceará, em Fortaleza, oferecem camas hospitalares, medicamentos e cesta básica de alimentos, entre outras medidas. “É muito melhor para a família e o doente passarem por esse momento no aconchego do próprio lar”, afirma a médica Inês Tavares Melo, coordenadora do serviço da instituição cearense. Quando isso acontece, os parentes recebem instruções do que fazer. No Hospital do Câncer, de São Paulo, por exemplo, há reuniões com os familiares para esclarecer dúvidas. “Certa vez, a mãe de uma adolescente com câncer disse que a filha tinha pedido para morrer em casa. Ela gostaria de atender seu último pedido. A filha estava com insuficiência respiratória, um quadro difícil de ser controlado e que pode levar a uma morte complicada de ser assistida. Passamos as informações técnicas para quando chegasse a hora”, conta a enfermeira Andrea Kwrashima, uma das responsáveis pelo ambulatório de cuidados paliativos da entidade.

Para garantir uma morte digna ao doente, os profissionais não medem esforços. Os especialistas do Ambulatório de Cuidados Paliativos da Universidade Federal de São Paulo atendem também residentes de cidades próximas à capital. “Ensinamos todos os procedimentos aos familiares, inclusive os documentos necessários para registrar o óbito no cartório”, diz o médico Marco Tullio de Assis Figueiredo, chefe do setor de Cuidados Paliativos do Hospital São Paulo, ligado à universidade. Tullio, 78 anos, é um dos pioneiros na área. “Os médicos têm o costume de olhar apenas para a doença. Ao perceberem que não é possível fazer mais nada, deixam o paciente de lado. É preciso entender que o foco do tratamento é o doente, e não seu problema de saúde”, avisa aos mais novos. A tônica de seu discurso é semelhante à da médica Maria Goretti. Ela ressalta que o objetivo do grupo de cuidado57 voto(s) -s paliativos é preparar o enfermo e seus familiares para uma passagem tranquila. “Da mesma forma que existe uma preparação para o nascimento, é preciso ter uma diante da morte”, compara.

Do lado de fora dos hospitais, também é possível encontrar ajuda. Há vários psicólogos, como a paulista Maria Helena Pereira Franco, que desenvolvem trabalhos semelhantes. Ela atende casos particulares de pacientes e familiares que lidam com o drama e coordena o Laboratório de Luto da PUC/SP. Lá, o foco é diminuir a dor dos familiares. “Eles encontram um espaço para falar de seus medos e aprendem a lidar melhor com a situação”, conta Maria Helena. Na Associação Brasileira de Apoio ao Luto, um grupo de auto-ajuda de São Paulo, pessoas que passam por esse sofrimento também são confortadas. Lá, desabafam e buscam amparo para seguir adiante.