No início do século 20, dentro e fora do Palácio do Catete no governo do presidente Rodrigues Alves, havia quem acreditasse que o Aedes aegypti era filho de fenômeno climático: aparecia quando as chuvas de verão despencavam sem trovoadas. Era a época em que o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, ardia de febre amarela transmitida por esse mosquito – como se vê, faz tempo que ele voa baixo pelo País. Naquele início da primeira década de 1900, um médico nascido na cidade paulista de São Luiz do Paraitinga via-se criticado porque dizia ser bobagem a crendice nos trovões, pregava o aniquilamento do Aedes e defendia com veemência o investimento contínuo em campanhas oficiais, claras e didáticas, como chave da profilaxia – não as campanhas montadas às pressas como as que temos agora em relação ao zika vírus, correndo atrás do prejuízo de cerca de dois milhões de infectados.

O nome desse brasileiro: Osvaldo Gonçalves Cruz. Era bacteriologista, epidemiologista, sanitarista e, sobretudo, avesso aos que não veem que ciência e política são duas vocações diversas. Quando saiu-se premiado em Berlim com sua “Exposição sobre Demografia e Higiene”, fixaram-no no comando da saúde pública do País. O Aedes, contra o qual hoje nos debatemos, perdeu a guerra no Rio de Janeiro em 1907 graças à sua atuação (hoje o doutor Osvaldo Cruz é nome de rua em quase todas as capitais brasileiras e no bairro de Passy, em Paris). O inseto foi considerado extinto na década de 1950 e, com certeza, não estaria outra vez transmitindo tantas doenças se os cuidados com a prevenção tivessem sido mantidos.

O Brasil carece de um Osvaldo Cruz que metodologicamente separe ciência e política – e, bom seria, se os burocratas deixassem-no trabalhar em paz. Somente assim teremos peças preventivas eficazes, não moralistas nem “envergonhadas”, campanhas que não cedam a pressões comerciais, ideológicas ou religiosas. Você tem notícias, por exemplo, de propagandas sobre o risco de contaminação pela bactéria da sífilis em relações sexuais? Sei que não.

O que não sei é porque tais informações não são fornecidas se a sífilis voltou a ser uma das DSTs prevalentes, sobreuto entre jovens das classes média e média alta. Em relação ao HIV, vamos na contramão do mundo: aqui aumenta o índice de infecção. E, gravíssimo, são casos de câncer de garganta por HPV contraído em sexo oral. Mais: o HPV tem ainda a bebida alcoólica (problema sério de saúde pública) como seu Cavalo de Troia a facilitar-lhe o ingresso nas células da boca e da laringe.

Essas três doenças podem ser evitadas com o preservativo – e também evita-se a transmissão sexual do zika, já confirmada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. Por que não se diz então, de forma direta, para as pessoas “se divertirem”, “fazerem muito sexo, mas sempre com proteção”? Por que não se fala que o “coquetel é bom tratamento para quem se infectou, mas não significa a cura do HIV”? “Que sexo oral deve ser feito com camisinha”?. Tenho certeza de que orientações não proibitivas nem moralistas, mas didáticas, funcionam eficazmente. Hoje assiste-se a longos comerciais de medicamentos, mas é voando que se passa o alerta “se os sintomas persistirem procure um médico”; exibe-se por um tempão homens bem-sucedidos e mulheres sensuais em anúncios de bebida, mas é incrível a velocidade do aviso “se beber não dirija”. É a “redução de danos envergonhada”. A redução de danos pressupõe, ao contrário, ensinamentos bem claros. Sem isso, corre-se o risco de retorno aos tempos em que alguns supunham que a ausência de trovão gerava o Aedes.