Brincar é assunto sério. Ou os pais deveriam pensar assim. Um trabalho inédito do Núcleo de Cultura, Estudos e Pesquisa do Brincar e Educação Infantil da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, coordenado pela educadora Maria Ângela Barbato Carneiro, aponta que cerca de 70% das crianças da classe A de cinco a sete anos brincam quase todo o tempo sozinhas. É triste, mas a realidade desses meninos e meninas de escolas da elite é a falta da companhia dos pais, dos amigos e até dos vizinhos para a hora da diversão. “Nossa equipe ficou chocada quando uma criança perguntou se televisão era brinquedo”, revela a pesquisadora. Brincadeiras como casinha, pega-pega, esconde-esconde, barra-manteiga, polícia e ladrão durante décadas foram repassadas de geração em geração. Hoje, no entanto, os especialistas afirmam que o lúdico perde espaço para o produto supertecnológico, que é usado de maneira solitária. Isso não deveria acontecer: brincar ajuda na socialização, estimula a criatividade e desperta a inteligência da garotada. E é fundamental que os adultos participem desse processo. Até porque essa é uma maneira de eles conhecerem melhor seus filhos.

Maria Ângela afirma que há várias razões para o fenômeno. No estudo, os especialistas constataram que as crianças têm agenda lotada, preenchida por diversas atividades extracurriculares, como aula de natação, inglês e desenho. Ou seja, sobra pouco tempo para brincar. Outro fator importante é o excesso de consumo. Os pais acreditam que, para suprir as necessidades dos filhos e manter o status da família, precisam trabalhar mais. Desse modo, acabam tendo pouco tempo para as crianças. Essa situação se agrava nas separações quando a mãe é a mantenedora da casa ou o pai se casa de novo e dá pouca atenção ao filho da primeira união. “A relação entre pai e filho é muito importante. Eles deveriam separar ao menos uma hora por dia para as brincadeiras. Mas isso não significa ficar junto assistindo a novela ou lendo jornal. Esse momento deve ser totalmente da criança”, afirma Maria Ângela.

Educadores e psicólogos alertam que as crianças precisam ter tempo livre para rir ou mesmo para o ócio. Três psicólogas americanas, Kathy Hirsh-Pasek, Roberta Golinkoff e Diane Eyer, autoras de Einstein teve tempo para brincar (ed. Guarda-Chuva), a ser lançado no Brasil nos próximos dias, asseguram que as crianças forçadas a receber precocemente a educação formal demonstram menos criatividade e menos entusiasmo pela aprendizagem. “Nos Estados Unidos, crianças entre dois e seis anos estão matriculadas em programas para adiantamento de séries. E no Japão há cada vez mais opções de cursos pré-escolares de cunho acadêmico”, observa Kathy. De acordo com as especialistas, a conseqüência de crianças que não brincam é o stress e a depressão. Elas sustentam que atualmente os pais tentam acelerar o aprendizado de seus filhos acreditando que os pequenos vão ser mais felizes nesta sociedade competitiva e de culto ao sucesso. “Infelizmente, a criação dos filhos, que deveria ser uma das maiores alegrias de nossas vidas, não está nos dando muito prazer”, escreve o trio. Brincadeiras puras e simples, como caça ao tesouro, desenvolvem mais o raciocínio e podem aprimorar a alfabetização, a matemática e outros tipos de conhecimentos.

A boa notícia é que há famílias que dão valor a folguedos e diversões. A engenheira civil Beatriz Ruiz, 37 anos, mãe de Raquel, cinco anos, e Davi, quatro anos, sai de casa de manhã sem ver os pequenos, mas quando chega à noite dedica-se exclusivamente a eles. Existe um horário sagrado para isso: das 19h às 20h. “Eles precisam saber que são prioridade para mim”, explica. Para entrar no mundo mágico das crianças não é preciso um brinquedo sofisticado ou grandes espaços. Beatriz mora em um apartamento. No pouco espaço que a família tem, mãe e filhos se divertem com esconde-esconde, brincadeiras e jogos.

Os educadores garantem que há inúmeras formas de se divertir quando o espaço é restrito. Fazer cabana, teatro de sombras, casinha, jogar bola ou ler um bom livro são alguns exemplos. E lembram que existem brinquedos baratos e simples, como garrafa de plástico, cubos, panelas e colheres ou ainda fantoches e bonecos produzidos pelos próprios pais.

Do ponto de vista dos pais, brincar oferece uma ótima oportunidade para
estabelecer um vínculo maior com os filhos. A editora de livros Rose Ziegelmaier, mãe de Luís, dois anos, conta que sente exatamente isso quando está com seu filhote. “Estabeleço um canal afetivo com o Luís. E há outros que surgem. Eles são para o resto da vida”, comenta. A interação entre pais e filhos traz outras vantagens. Durante o pula-pula e o corre-corre com a garotada, os pais podem perceber a personalidade das crianças. Em alguns casos, quando elas ficam bravas e se irritam, dificilmente vão querer compartilhar os brinquedos com outros meninos e meninas. É nesse momento que os pais podem interferir. Mas sem autoritarismo. “Os pais podem ajudar a criança a discutir, a dialogar, a argumentar. O ser humano precisa disso. Quando se joga, por exemplo, as crianças são obrigadas a refletir”, acrescenta Maria Ângela.

Segundo a pesquisa da PUC, muitos pais na faixa dos 25 anos simplesmente não sabem brincar porque não tiveram essa oportunidade na infância. Preocupado com essa temática, o pediatra Roberto Avritchir, fundador da ONG Brinquedo Vivo, apóia oficinas em que artesãos ensinam a fabricar brinquedos e a usá-los com a garotada em várias situações. Além disso, é um bom modo de exercer um dos lados melhores da vida, o lúdico. “O meu sonho é mudar esse mundo maluco por meio dessas atividades. Com isso, a meninada é capaz de ultrapassar todas as barreiras: do preconceito, da individualidade e das classes sociais. A criança que brinca hoje certamente será um adulto melhor”, aposta o médico. E ninguém está
de brincadeira quanto a isso.