Fantasma que assombra milhões de brasileiros desde o fim de 2015, o zika vírus fez soar o alarme da maior autoridade responsável pelo bem-estar global, a Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade convocou um comitê de emergência para lidar com a “explosiva” expansão da infecção, que está ligada ao surto de casos de microcefalia em recém-nascidos. “No ano passado a doença foi detectada nas Américas, onde está se espalhando explosivamente”, disse Margaret Chan, diretora-geral da OMS. “Estamos profundamente preocupados.” Criticada por não responder com celeridade à epidemia de ebola na África, em 2013, a entidade quer enfrentar o zika antes que a crise piore, mas calcula que o vírus afetará até 4 milhões no continente americano. No que depender do Brasil, no entanto, o mundo já saiu perdendo. Graças à incapacidade histórica de autoridades em lidar com o Aedes aegypti, mosquito que transmite a doença, a infecção possui aqui criadouro ideal para se espalhar para outras nações. Praticamente inerte durante todo esse período, o governo federal resolveu reagir diante do agravamento da situação – alardeado por declarações preocupadas de líderes mundiais e infelizes de seu ministro da Saúde, Marcelo Castro (leia quadro). Mas o pacote de medidas anunciado na semana passada não será suficiente para barrar o crescimento do zika em 2016. “Tenho certeza de que houve negligência”, afirma o infectologista Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses.

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PRECAUÇÃO
Agentes pulverizam com inseticida o sambódromo do Rio: autoridades
estão preocupadas com contaminação durante a folia

O maior nome na luta contra o zika deveria ser o do ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB). Contudo, é crescente o desconforto causado por sua inoperância, pontuada por frases desastrosas. Críticos do peemedebista atribuem sua coleção de gafes a uma incapacidade de gestão à altura da pasta. No Palácio do Planalto, existe um movimento para que ele seja substituído. Em seu próprio partido, há quem questione a capacidade de Castro para permanecer e diga que sua indicação foi uma manobra para conquistar a lealdade da bancada na batalha contra o impedimento de Dilma Rousseff. “Em nome do combate ao impeachment, a presidente começou a negociar tudo no governo. Mas a saúde era uma área que não deveria ter sido negociada. Dilma cometeu um ato de irresponsabilidade: tirou um ministro, que tinha várias coisas em andamento, e botou outro só para satisfazer o [Leonardo] Picciani e ter a liderança do PMDB nas mãos”, afirma o deputado federal Lúcio Vieira Lima (BA), um dos principais oposicionistas da sigla.

Para remediar o estrago, a presidente defendeu Castro publicamente na quarta-feira 27, em cúpula no Equador. Nos bastidores, entretanto, o Planalto estuda estratégia para reduzir a presença do ministro sob os holofotes e evitar o agravamento da crise na Saúde. Dilma em pessoa rodará o Brasil para conter o problema, e o governo deve assumir ainda boa parte das ações de combate ao Aedes. Entre elas estão o pagamento de um salário mínimo a pais de microcefálicos de baixa renda, a mobilização de 60% do efetivo das Forças Armadas para combater o mosquito, a distribuição gratuita de repelentes a 400 mil grávidas do Bolsa Família e um mutirão em repartições federais contra focos do mosquito. “São medidas paliativas, com impacto limitado”, diz Francisco Ivanildo de Oliveira Júnior, supervisor médico do ambulatório do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo (SP). “Não dá para dizer que não servirão para nada, mas a situação só não piorará com muita sorte.”

A saída de Castro, no entanto, depende de fatores que transcendem a saúde da população. Alguns governistas defendem que sua demissão poderia ter resultados políticos desastrosos, pois ele é reconhecido pela habilidade de articulação. Desde sua chegada, a avaliação é de que ele tem se dedicado a atender demandas de diversos peemedebistas e aliados até então descontentes com o governo. O Planalto tenta compensar a falta de domínio do ministro na gestão da saúde pública com a atuação do secretário-executivo, o ex-ministro da Saúde José Agenor Álvares – que comparece a quase todas as reuniões entre o ministro e Dilma. Questionado, Castro declarou em nota que “não há desgastes” com a presidência, que a pasta está trabalhando em “diversas frentes” contra o zika e que suas frases foram “descontextualizadas”. Sobre sua indicação ser motivada por uma troca política em busca de apoio contra o impeachment, afirmou que é “natural” haver coalizão para sustentar a governabilidade e que “reforma ministerial traduz a importância do PMDB”.

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Internacionalmente, os primeiros casos já estão aparecendo no exterior, todos eles contraídos em áreas epidêmicas. Nos Estados Unidos, onde ao menos 12 foram diagnosticados, o presidente Barack Obama se reuniu na quarta-feira 27 com especialistas para pedir rapidez no desenvolvimento de vacinas. Na Europa, Alemanha, Dinamarca, Espanha, Itália, Portugal e Reino Unido documentaram doentes. Nenhum deles contraiu a infecção localmente, mas em viagens. Por isso, vários países pediram que grávidas evitassem o Brasil, mas o zika deve se espalhar por toda a América, com exceção de Chile e Canadá, que não possuem o mosquito.