Minha avó costumava erguer os olhos para o teto e exclamar um Meu Deus!, sempre que as coisas lhe pareciam impossíveis ou desesperadoras. Aquele Meu Deus! era soprado com força, como se pudesse alcançar as alturas celestes, cheias de santos e nuvens azuladas, que víamos nas estampas esquecidas entre as páginas dos livros.

Depois da invocação, ela sempre esperava um pouco pela resposta, até desistir e continuar o que quer que estivesse fazendo. Era uma mulher peculiar, cheia de idéias e atitudes. Meu avô também. Sentados à mesa da copa ladrilhada, eles professavam um ufanismo positivo, ainda que ingênuo, enquanto liam os jornais e discutiam os caminhos da nação.

Eu lembro. E os guardei exatamente no momento em que ela desiste de esperar pela resposta divina e baixa os olhos até encontrar os meus, debruçando o corpo sobre a mesa, cujos ladrilhos repetiam o padrão da parede. Esse é o quadro. Não! Espera! Papai está sentado à cabeceira, o cabelo penteado para trás e a voz cheia de harmonia. Usa uma camisa clara e me parece tão jovem e bonito aquele homem, que eu corro a guardar aquele momento antes que a memória escape por entre os dedos. É preciso guardar aquele sorriso intacto, porque são os traços daqueles que amamos que nos impulsionam pela vida afora.

Papai achava, como muitos de sua geração, que a estrela mexicana Maria Félix era a mulher mais bonita do mundo e cantarolava trechos de Maria Bonita, a canção de amor que Agustín Lara dedicou a ela, como se apresentasse uma prova de que a mais bela entre as deusas era a mexicana. Os avós aprovavam a escolha, já que era latina. Vez ou outra surgia um nome hollywoodiano, Ava Gardner podia ser citada, mas nenhuma batia La Doña, o apelido que o México deu a sua estrela máxima.

Dia desses ouvi uma história que, tenho certeza, agradaria àqueles três, sentados na mesa da copa. Hollywood nunca se conformou em não ter a grande Maria Félix e ela recebeu inúmeros convites. É claro que, àquela altura, uma atriz mexicana não poderia fugir dos estereótipos que a indústria do cinema sempre foi pródiga em estabelecer, e La Félix sabia disso. Para ela, não ia sobrar muito mais além das voluptuosas camponesas tentando a sorte na ensolarada Califórnia ou as caricatas Paquitas, Lupitas e Chiquitas que nossa grande Carmen interpretou. Maria acabou recusando todos os convites, com uma frase que até hoje é lembrada: "Eu não nasci para carregar uma cesta."

Vovô teria aplaudido. Vovó daria um muxoxo de aprovação e Papai voltaria a cantar algum outro trecho de um bolero famoso, com sua linda voz de barítono. Depois, quando o sol começasse a tingir o quintal de amarelo, cada qual iria cuidar da vida, do mesmo jeito que era então, quando Acapulco era uma terra inatingível, os sonhos viviam entre nós e o mundo não cabia na palma da mão.