A discussão sobre a independência do Banco Central nunca avançou no Brasil por um motivo quase infantil: medo de monstro. Teme-se, em Brasília, que o BC independente vire um monstro incontrolável, uma autoridade não democraticamente constituída, capaz de elevar juros, restringir o crédito e controlar o preço local do dólar ao bel prazer de seus herméticos modelos matemáticos, sem se importar com as vontades e as demandas de governantes legitimamente eleitos e, menos ainda, com os clamores populares. O monstrengo teria poderes suficientemente fortes para dizimar os sonhos de consumidores e empresários e seria personificado na figura de seu presidente, um técnico de notório saber, com mandato fixo e não coincidente com as eleições majoritárias e, portanto, imune a ordens de demissão vindas do Palácio do Planalto ou do Ministério da Fazenda. Já imaginou? No País dos planos e dos pacotes econômicos, a feiosa e ortodoxa figura do BC independente seria uma ameaça real ao desejo dos políticos de mandar e desmandar na economia. Com suas taxas de juros nefastas e controles insensíveis da base monetária, poderia facilmente estragar os planos de quem gosta de brincar com a inflação e favorecer uns eleitores aqui, outros doadores de campanha acolá. Quando a festa do crescimento econômico está animada, ninguém quer saber de um chato a dizer que é hora de dimunuir o som e suspender as bebidas, por maiores que sejam os riscos de fadiga e coma alcoólico para quem dançar e festejar até o sol raiar. Por essas e outras, o banqueiro central independente nunca emplacou no Brasil, nem vai emplacar.

Por aqui, prevaleceu na Era Lula (2003 a 2010) a figura do Banco Central autônomo. É um monstro mais light, que pode fazer o que bem entender desde que convença o presidente da República de que está no caminho certo. Por oito anos, Henrique Meirelles fez isso como ninguém e mandou no BC como quis, apesar dos apelos frequentes do vice-presidente da República, José Alencar, contra os juros absurdamente altos (até hoje, diga-se) praticados no Brasil. Meirelles tinha status de ministro, não tinha medo de cara feia e nem de Guido Mantega, o titular da Fazenda. Como não gostava de ser mandado, o banqueiro central de Lula não continuou na Era Dilma. O atual titular do cargo, Alexandre Tombini, não manteve a aura de autonomia de seu antecessor e, pior ainda, perdeu o controle da inflação ao praticar uma política monetária e cambial boa demais para reeleger sua chefe em 2014, causando a atual ressaca monumental da recessão econômica e do desemprego crescente.

Na semana passada, Tombini chocou o mercado ao soltar uma nota inesperada sobre as previsões pessimistas do Fundo Monetário Internacional a respeito da economia brasileira, sugerindo uma mudança de rota na política de juros do BC. Fez isso às vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária do BC, o Copom, e supostamente depois de uma reunião fechada com a presidente Dilma, não confirmada. Em vez de elevar a taxa básica Selic, como sugeriam seus comunicados anteriores, manteve-a em 14,25%. O Copom fez a coisa certa – um aperto no custo do dinheiro iria agravar a recessão sem reduzir a inflação –, mas Tombini fez a coisa errada. O custo de suas atitudes é a pá de cal na credibilidade do BC e da política de metas para a inflação, uma notícia péssima para o País. Sem previsibilidade, não se faz planos de longo prazo e vive-se o império da mediocridade econômica. O monstro subserviente é tão assustador quanto o independente e o autônomo, especialmente quando erra muito, enfraquece o poder de compra do real e coloca em risco 20 anos de relativa estabilidade monetária.