Depois de atravessar o primeiro ano de seu segundo mandato com o País mergulhado em recessão e sufocado por uma crise política sem precedentes, a presidente Dilma Rousseff encontra-se diante de uma encruzilhada. E o desempenho do governo daqui para frente dependerá e muito do caminho que ela irá escolher para trilhar. Nos últimos dias, a presidente começou a imprimir novos contornos à política econômica do governo. Orientou o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, a retomar políticas de estímulo ao crédito e pressionou o Banco Central a não elevar, na última semana, as já salgadas taxas de juros atuais de 14,5%. Ainda não se sabe se ela está só de olho nas estrelas – no caso as demandas e pressões do PT – ou se mantém os pés no chão, para pegar emprestada uma expressão celebrizada pelo ex-presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, que, no caso, recomendava a combinação dos dois gestos, sem relacionar as estrelas ao símbolo petista, claro.

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Se a presidente se orientar única e exclusivamente ao sabor dos interesses do PT, as medidas podem se traduzir num verdadeiro desastre, pois demonstraria desorientação num momento em que a sociedade e o meio empresarial clamam por previsibilidade e pela retomada da confiança. Caso as iniciativas estejam alicerçadas por um plano consistente e de longo prazo, aí sim há chances de êxito.

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Na última semana, auxiliares da presidente asseguravam que existe realmente um projeto. Uma espécie de meio termo entre a política desenvolvimentista adotada por Guido Mantega e a austera condução levada a cabo pelo também ex-titular da pasta Joaquim Levy, em 2015. As novas diretrizes deverão ser detalhadas por Dilma no dia 28, data da próxima reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, quando ela irá empacotar, digamos, com uma embalagem mais vistosa as sinalizações que já vem apresentando nos últimos dias. Como a presidente costuma dizer “o governo não tem nenhum coelho para retirar da cartola”, espera-se dela os pés no chão recomendados por Roosevelt. Por exemplo, já se sabe que Dilma vai exigir dos bancos públicos que eles voltem a conceder crédito. Desta vez, direcionado para alguns setores, como por exemplo, o da agricultura e da construção civil. A justificativa é que com o pagamento das pedaladas fiscais – exigido pelo Tribunal de Contas da União – agora essas instituições possuem mais liquidez para voltar a emprestar. Mas ao contrário do adotado anteriormente, o governo frisa como um mantra que não voltará a estimular o crescimento por meio do consumo, mas sim pelo investimento. Até porque a prática da gastança desenfreada nem tem mais condições materiais de ser realizada, tamanho o caos econômico que ela provocou. No cenário atual, os bancos não possuem mais o mesmo espaço fiscal de antes para conceder empréstimos. Com fechamento de 1,54 milhão de vagas formais de trabalho em 2015, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), e o dólar acima de R$ 4, a população também não possui fôlego para tomar dinheiro emprestado e honrar seus compromissos. Hoje, há uma parcela considerável de brasileiros endividados. De acordo com dados divulgados pelo Serasa Experian, em janeiro deste ano cerca de 59 milhões de pessoas estão com alguma conta atrasada no mínimo 60 dias. Os poucos que escaparam do tacape pesado da crise econômica estão cautelosos, com medo de assumir novos investimentos e, depois, virem a perder seus empregos.

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Há outros caminhos, para além do estímulo ao crédito, que na atual circunstância precisa ser bem dosado. Também faz parte do plano do governo voltar a investir na realização de obras para aquecer a economia. A ideia chegou a ser chamada nos primeiros dias deste ano de PAC 3 – alcunha que o ex-ministro Joaquim Levy jamais teria aprovado se ainda estivesse no cargo. A iniciativa que Levy aprovaria, e que deve ser levada adiante por Dilma, é a tentativa de destravar o plano de concessões para dar fôlego ao caixa do Tesouro Nacional. O novo ministro do Planejamento, Valdir Simão, assumiu como prioridade absoluta debruçar-se na licitação dos quatro aeroportos: Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre, para que eles sejam leiloados ainda neste ano.

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Ao mesmo tempo em que as novas diretrizes renovam os ânimos dos que ainda apostam numa reversão de rumo no País, o governo, em especial a equipe do ministro Nelson Barbosa, cerca-se de cuidados para que este novo direcionamento econômico não passe ao mercado a impressão de que há um descuido com o controle da inflação e com o equilíbrio fiscal, pilares indispensáveis para a recuperação credibilidade do Brasil. Para isso, no entanto, é preciso ir além do discurso. Na última semana, o comportamento adotado presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, não foi bem digerido pelo mercado nem pelos empresários. Um dia depois de o FMI tecer críticas pesadas à economia brasileira, Tombini emitiu uma nota em que contradisse tudo o que o BC sinalizava até então. De acordo com o FMI, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deve sofrer queda de 3,5% este ano – em outubro, a projeção era de contração de 1%. Isso depois de ter encolhido 3,8% em 2015, em estimativa também revisada para baixo (a queda prevista antes era de 3%), segundo atualização do relatório “Perspectiva Econômica Global”, divulgado na terça-feira 19. Já em 2017, o fundo aponta que o Brasil deve registrar estagnação econômica, deixando de ver expansão de 2,3% como antes. Na nota, Tombini avaliou como “significativas” as revisões das projeções de crescimento em 2016 e 2017, e provocou questionamentos às vésperas da reunião do Copom. Num ambiente de incertezas, alguma previsibilidade seria extremamente salutar para o País, como nos tempos de Henrique Meirelles. Não foi o que aconteceu, apesar de a decisão final de manter os juros no mesmo lugar ter sido a mais correta.

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Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, disse em Davos, onde participava do Fórum Econômico Mundial, que o BC brasileiro “estrangula a economia”. Para ele, a política monetária do Brasil deveria se contrapor aos efeitos depressivos da queda do preço das exportações e da Operação Lava Jato. “Vocês têm uma das mais altas taxas de juros no mundo. Se o Brasil reagisse à queda no preço das exportações com medidas contracíclicas, o País talvez pudesse ter evitado a intensidade da atual crise. Outra questão é que, sempre que ocorrem escândalos de corrupção da magnitude do que acontece agora no Brasil, a economia é jogada para baixo. Isso cria uma espécie de paralisia”, afirmou o economista. “O sistema legal no Brasil está colocando muita gente na prisão”, lembrou Stiglitz. “Não estou dizendo que não deveriam fazer isso, mas a política monetária deveria reconhecer que este é um período em que haverá restrição de gastos, particularmente no setor público, em que as pessoas serão mais cautelosas em tomar decisões, em que a construção civil vai se contrair”, concluiu. Ao fim e ao cabo, a manutenção pelo Copom do já escorchante índice atual de juros em 14,5% acabou por representar uma decisão acertadíssima. Mas Tombini fez o certo por vias tortas. Que Dilma faça o certo pelas vias certas, e com prudência. Sem se preocupar muito com as estrelas.